BARROCO – Século XVII (1580-1756)
A situação económica portuguesa, em fins do século XVI, estava bastante debilitada. O ouro da Mina deixou de surtir o lucro que até então dava; a concorrência na rota do Cabo adensou-se; a prata da Europa Central e Oriental entrou em declínio; e fomos obrigados a abandonar vários presídios - portos marroquinos. Nesta altura, a colonização brasileira, o comércio transatlântico do açúcar, do tabaco, do pau-brasil, o tráfico de negros africanos para a América do Sul e o aumento da exportação de sal constituíam o suporte económico e comercial da burguesia, na sua grande parte, cristãos-novos. Mais tarde, a descoberta do ouro e dos diamantes no Brasil e o incremento das exportações de vinho foram os pilares económicos da Coroa portuguesa, que deixou, por sua vez, a indústria ainda incipiente ao abandono, o que teve como consequência a emigração em massa de artífices e camponeses.
No plano político e social, o desastre de Alcácer-Quibir, em 1578, agravou a miséria e o caos vividos pela sociedade portuguesa da época. Vislumbrava-se, então, a união com a Coroa espanhola, de tal modo que a crise financeira portuguesa fosse ultrapassada. Por outro lado, os fidalgos e cavaleiros portugueses perspectivavam com essa união a sua ascensão social. Contudo, cedo se desiludiram e decepcionaram os nobres, na medida em que a Corte não permanecia muito tempo em Lisboa, menosprezando os interesses daqueles. É por isso mesmo que muitas linhagens fidalgas procuraram encontrar uma solução para as suas crescentes dificuldades económicas na ligação matrimonial com famílias de burgueses; outras, porém, dedicaram-se ao comércio açucareiro, ruralizaram-se, sentindo-se por isso, muitas vezes, frustrados e fracassados.
Simultaneamente, as ordens religiosas multiplicaram as suas instituições e enriqueceram cada vez mais; aliás, o poder da organização eclesiástica sobre a sociedade civil era cada vez maior. O povo vivia na ignorância e no fanatismo religioso, o que convinha de todo à alta nobreza e à burguesia, até porque deste modo se tornava mais fácil a ligação da Coroa portuguesa a Castela, que previa a defesa dos interesses económicos das classes mais privilegiadas.
No entanto, o Estado tornou-se monopolizador, destruiu as minorias e impôs uma disciplina ideológica eficaz contra o patriotismo ou o nacionalismo portugueses.
A burguesia de cristãos-novos dominava, nesta altura, a economia comercial e possuía um certo poder na política e na administração. Contudo, não lhe era possível obter títulos, terras ou ofícios, dado tratar-se de judeus perseguidos pela Inquisição e pelas leis de limpeza de sangue. Daí que muitos destes cristãos-novos emigrassem, uma vez que o Santo Oficio confiscava todos os seus bens.
Com a ajuda dos Jesuítas, a burguesia mercantil começou a interessar a Coroa por questões económicas, mas a verdade é que a descoberta do ouro e dos diamantes no Brasil atrasou, uma vez mais, o desenvolvimento industrial da nação.
Assim, e na ânsia de ascenderem na hierarquia social, ainda que grandes obstáculos tivessem de ultrapassar para poderem ocupar posições dominantes na cultura e na vida pública, os cristãos-novos dedicaram-se afincadamente ao estudo da Língua e da Gramática portuguesas. Nesta altura, multiplicaram-se os compêndios de história nacional, de elogio aos antigos reis portugueses; reeditaram-se sucessivamente Os Lusíadas e as Rimas de Camões, o que denotava uma atitude de resistência ao domínio filipino, pelo enaltecimento dos feitos e valores portugueses. Saliente-se, ainda, que inúmeros artífices e camponeses, descontentes com a situação actual, assim como as preocupações da Companhia de Jesus e a desilusão crescente de uma parte da nobreza, preterida na corte madrilena, contribuíram para a criação de um ambiente de intriga, que rejeitava o estado político de então.
Por esta altura, os valores preconizados pelo Humanismo foram, no fundo, apagados pela censura portuguesa, a par com a censura política do governo espanhol. A fome, os preços elevados e o fisco real provocaram uma latente revolta popular. O povo sentia-se injustiçado e desamparado, dado o abismo existente entre este e as classes mais privilegiadas.
Neste contexto, em que havia uma crise social de valores, nasceu uma literatura de evasão, mais virada para aspectos formais ou conceptuais. O BARROCO surgiu, assim, associado a uma crise política, económica e religiosa. Muitos dos seus temas possuíam um cariz fútil e insignificante, até porque interessava mais a complexidade dos artífices da forma e das ideias. A arte procurava, acima de tudo, suscitar o espanto e a admiração; muitas vezes, o texto era obscuro e incompreensível, o que se devia também, em parte, à repressão cultural instaurada pela Inquisição.
A poesia barroca tinha uma função essencialmente lúdica, pelo que os jogos de palavras, imagens, construções e conceitos, as antíteses, as metáforas, os paradoxos, as hipérboles, etc., abundavam na literatura. Havia, pois, um cumular de efeitos artísticos redundantes e repetitivos.
Os poetas do Barroco mais conceituados faziam parte de um grupo fechado, dependente da alta aristocracia. Aliás, o academismo em que se inseriam era evidente nos textos em que aqueles se elogiavam reciprocamente.
O património poético destes escritores foi compilado em dois cancioneiros – FÉNIX RENASCIDA e POSTILHÃO DE APOLO.
Nestes cancioneiros são evidentes várias influências: castelhana, de Luís de Góngora, donde a designação de gongorismo ou cultismo; italiana, de Marino, que deu origem ao estilo poético dito marinismo ou conceptismo; e, ainda, de Camões.
Por cultismo relaciona-se com a forma e a preocupação destes poetas em trabalhá-la de modo excessivo e rebuscado, tornando, muitas vezes, o conteúdo pouco claro. Nota-se um uso exagerado de trocadilhos, analogias e vocábulos fora do comum que acentuam o carácter hermético desta poesia.
O conceptismo entende-se o jogo de ideias ou conceitos, que se serve sobretudo de metáforas, comparações, imagens, entre outros recursos estilísticos, que tornam o conceito obscuro e imperceptível.
Relativamente à temática, a poesia barroca versa sobre a efemeridade da vida, o desengano, o sonho, a aparência da realidade, a dor da ausência da mulher amada, o amor não correspondido, o Homem como pecador e dependente da misericórdia divina, episódios da vida de santos, o ridículo de certas situações quotidianas, entre outros temas, não raro despidos de qualquer interesse afectivo.
No século XVII, a produção literária continuou a ser praticamente dominada pelo clero; e ainda que no Barroco se note uma mundividência aristocrática, a verdade é que surgiu impregnada de influência clerical.
O Barroco define-se essencialmente pelo objectivismo, pela opulência, pelo exibicionismo do poder e da fé. O luxo tornou-se um instrumento eficaz no sentido de impressionar o povo, desiludido e revoltado. Construíram-se igrejas, monumentos e palácios que, pela sumptuosidade da azulejaria e da talha dourada, constituem grandes criações da arte portuguesa deste século.
A tendência literária do Barroco coabitou com o Maneirismo, caracterizado por uma expressão artística mais individual, com maior liberdade de imaginação. Os temas dominantes eram precisamente as naturais limitações do Homem na Terra, a dor e o desengano da vida, a fugacidade do tempo; enfim, toda a frustração e a instabilidade sociais perpassam nesta literatura.
Contudo, a grandeza literária seiscentista residiu precisamente na prosa que visava a propagação e a edificação religiosa. De entre esta literatura encontram-se, nomeadamente, sermões, cartas, hagiografias, tratados moralistas, etc. O Barroco é, aliás, considerado por muitos a Idade de Ouro da prosa, onde se destacam figuras como Manuel Bernardes, Rodrigues Lobo, Frei Luís de Sousa, Frei António Chagas, Padre António Vieira, entre outros.
Síntese das Características do BARROCO
Características Gerais
· busca de nova expressão de vida;
· conflitos: profano/sagrado; Homem/Deus; pecado/perdão; corpo/alma; matéria/espírito;
· procura da grandiosidade harmoniosa;
· a variedade e o movimento na ideia espacial, por oposição à concepção estática e fechada da arte renascentista;
· conjugação da escultura com a arquitectura;
· a paixão e os quadros expressivos e teatrais, com admiráveis combinações de cores;
· a maravilha e o espanto…
Características da Literatura
· continuidade e permanência de alguma temática e estruturas quinhentistas;
· temas fúteis e de reflexão moral, Evasão ou busca da Espiritualidade;
· arquitectura rebuscada, cheia de ornamentos;
· estilo rítmico e movimentado, cheio de cores poéticas (o vermelho dos rubis, da púrpura e das rosas; o verde das esmeraldas ou o azul do mar, do céu e das safiras…);
· a alusão e os subentendidos;
· as metáforas, as hipérboles e as antíteses…
· a poesia como arte da palavra;
· o cultismo e o conceptismo.
O ESSENCIAL
1. O Barroco é uma época de ostentação e riqueza
A exuberância decorativa nas artes plásticas, o excesso de artifício na literatura é um dado por de mais evidente. Todavia, a temática do excesso mascara uma profunda inquietação e uma angustiante insatisfação interiores. É necessário encontrar o que está por detrás da máscara.
2. O Barroco é uma estética do deleite
A fórmula de Horácio "ensinar e deleitar" perdurou e ainda perdura como finalidade da obra de arte. Mas, nesta época, o deleite, o lúdico, destaca-se em relação à catarse (purificação) defendida por Aristóteles como prioritária.
A actividade puramente lúdica "não exprime a vida; distrai da vida. (...) é um jogo que tem no gozo estético toda a sua finalidade" (Hernâni Cidade, A Poesia Cultista e Conceptista).
3. O Barroco é o predomínio da arte sobre o talento
Na época clássica, repetiu-se sem cessar ser necessário o equilíbrio entre o talento do poeta e o seu trabalho, a sua técnica. Recorde-se o que escreveu Camões na Proposição de Os Lusíadas:
"Cantando espalharei por toda a parte
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte”
Agora, dá-se uma ruptura no equilíbrio clássico, destaca-se o predomínio da arte na produção literária. Assiste-se a discursos engenhosos, a jogos com as palavras, a processos artificiosos, a puzzles construídos com paciente labor.
4. O Barroco é uma estética da ilusão
Não importa reproduzir ou imitar a realidade, mas fingir essa mesma realidade, enganar o observador, produzir ilusão, até porque tudo é ilusão. O recurso de estilo mais adequado a esta finalidade é a metáfora, meio por excelência da transfiguração. Por isso, a metáfora é preferida nas obras teóricas e na prática do discurso. A metáfora impõe-se como “principal forma de expressão de um ideal poético de metamorfose das coisas, de visão transfigurada do mundo; e de deslumbramento do leitor, do convite ao exercício do entendimento para, mergulhado na ilusão, a entreter como tal e se deleitar com os seus jogos” (Maria Lucília Gonçalves Pires, Xadrez de Palavras).
5. O Barroco é uma arte profundamente sensorial
Apela às sensações fruídas na variedade admirável do mundo físico. A intenção é provocar a captura do destinatário, aberto ao deslumbramento, à ostentação e ao deleite. Neste sentido, é uma arte pragmática, pois centra-se na relação entre a obra e o leitor. Este não pode ficar indiferente à maravilha do discurso engenhoso ou à profusão dos elementos decorativos.
Importa referir que o Barroco se realiza sobretudo como a arte da Contra-Reforma. Sendo a arte da persuasão, pôde ser eficaz para a conversão das almas, enlevadas na exaltação da sensibilidade. Em sentido oposto, o Protestantismo, avesso à convivência da fé com o luxo, é hostil e vê no barroco um desvio da Igreja de Deus. É por isso que, sobretudo na arquitectura, se tornou para o catolicismo a principal forma de arte religiosa, pois atrairá mais facilmente os fiéis. "Para isso, o luxo revela-se mais eficaz do que a austeridade. As matérias mais preciosas ou mais deslumbrantes, a generosidade com que são distribuídas, vão impressionar o povo (...); ele terá também os seus palácios; as igrejas. (...) a fachada voltada para a rua, onde a multidão passa, torna-se tão importante como o interior. Pouco importa que a distribuição sumptuosa dos seus elementos não corresponda à estrutura do edifício, a arte visa menos a verdade do que a eficácia" (René Huyghe, L' Art est I' Homme).
6. A mudança
A mudança, que já fora tema caro dos renascentistas, acentua-se agora, ligada ao desengano da vida. Com efeito, tudo o que é grande, belo e faustoso morre. Por isso, alude-se à beleza efémera das mulheres, à fragilidade e ao nada da vida, a falecimentos, etc. Lateja por toda a poesia um sentimento profundo de melancolia e pessimismo, mascarado pelo artificialismo.
7. O Barroco é a expressão de profunda crise
O Barroco é a expressão da angústia do fugaz e a tentativa para fixar a realidade em permanente fluir.
8. A sátira barroca
A sátira barroca retrata os vícios da sociedade da época de forma muito pormenorizada. Os alvos visados são o baixo comportamento de alguns membros do clero regular, já retratados por Gil Vicente, a mania do francesismo, os amores freiráticos, a vaidade, a dissolução dos costumes, a deslealdade da Corte, as narrações mitológicas e mesmo o próprio estilo cultista.
A exuberância decorativa nas artes plásticas, o excesso de artifício na literatura é um dado por de mais evidente. Todavia, a temática do excesso mascara uma profunda inquietação e uma angustiante insatisfação interiores. É necessário encontrar o que está por detrás da máscara.
2. O Barroco é uma estética do deleite
A fórmula de Horácio "ensinar e deleitar" perdurou e ainda perdura como finalidade da obra de arte. Mas, nesta época, o deleite, o lúdico, destaca-se em relação à catarse (purificação) defendida por Aristóteles como prioritária.
A actividade puramente lúdica "não exprime a vida; distrai da vida. (...) é um jogo que tem no gozo estético toda a sua finalidade" (Hernâni Cidade, A Poesia Cultista e Conceptista).
3. O Barroco é o predomínio da arte sobre o talento
Na época clássica, repetiu-se sem cessar ser necessário o equilíbrio entre o talento do poeta e o seu trabalho, a sua técnica. Recorde-se o que escreveu Camões na Proposição de Os Lusíadas:
"Cantando espalharei por toda a parte
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte”
Agora, dá-se uma ruptura no equilíbrio clássico, destaca-se o predomínio da arte na produção literária. Assiste-se a discursos engenhosos, a jogos com as palavras, a processos artificiosos, a puzzles construídos com paciente labor.
4. O Barroco é uma estética da ilusão
Não importa reproduzir ou imitar a realidade, mas fingir essa mesma realidade, enganar o observador, produzir ilusão, até porque tudo é ilusão. O recurso de estilo mais adequado a esta finalidade é a metáfora, meio por excelência da transfiguração. Por isso, a metáfora é preferida nas obras teóricas e na prática do discurso. A metáfora impõe-se como “principal forma de expressão de um ideal poético de metamorfose das coisas, de visão transfigurada do mundo; e de deslumbramento do leitor, do convite ao exercício do entendimento para, mergulhado na ilusão, a entreter como tal e se deleitar com os seus jogos” (Maria Lucília Gonçalves Pires, Xadrez de Palavras).
5. O Barroco é uma arte profundamente sensorial
Apela às sensações fruídas na variedade admirável do mundo físico. A intenção é provocar a captura do destinatário, aberto ao deslumbramento, à ostentação e ao deleite. Neste sentido, é uma arte pragmática, pois centra-se na relação entre a obra e o leitor. Este não pode ficar indiferente à maravilha do discurso engenhoso ou à profusão dos elementos decorativos.
Importa referir que o Barroco se realiza sobretudo como a arte da Contra-Reforma. Sendo a arte da persuasão, pôde ser eficaz para a conversão das almas, enlevadas na exaltação da sensibilidade. Em sentido oposto, o Protestantismo, avesso à convivência da fé com o luxo, é hostil e vê no barroco um desvio da Igreja de Deus. É por isso que, sobretudo na arquitectura, se tornou para o catolicismo a principal forma de arte religiosa, pois atrairá mais facilmente os fiéis. "Para isso, o luxo revela-se mais eficaz do que a austeridade. As matérias mais preciosas ou mais deslumbrantes, a generosidade com que são distribuídas, vão impressionar o povo (...); ele terá também os seus palácios; as igrejas. (...) a fachada voltada para a rua, onde a multidão passa, torna-se tão importante como o interior. Pouco importa que a distribuição sumptuosa dos seus elementos não corresponda à estrutura do edifício, a arte visa menos a verdade do que a eficácia" (René Huyghe, L' Art est I' Homme).
6. A mudança
A mudança, que já fora tema caro dos renascentistas, acentua-se agora, ligada ao desengano da vida. Com efeito, tudo o que é grande, belo e faustoso morre. Por isso, alude-se à beleza efémera das mulheres, à fragilidade e ao nada da vida, a falecimentos, etc. Lateja por toda a poesia um sentimento profundo de melancolia e pessimismo, mascarado pelo artificialismo.
7. O Barroco é a expressão de profunda crise
O Barroco é a expressão da angústia do fugaz e a tentativa para fixar a realidade em permanente fluir.
8. A sátira barroca
A sátira barroca retrata os vícios da sociedade da época de forma muito pormenorizada. Os alvos visados são o baixo comportamento de alguns membros do clero regular, já retratados por Gil Vicente, a mania do francesismo, os amores freiráticos, a vaidade, a dissolução dos costumes, a deslealdade da Corte, as narrações mitológicas e mesmo o próprio estilo cultista.
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