Pergunta B


O espaço em Frei Luís de Sousa intensifica a tensão dramática.
O Acto I desenrola-se no palácio de Manuel de Sousa, moderno, luxuoso, com janelas sobre Lisboa e o Tejo, simbolizando a harmo­nia aparente e a felicidade precária da família.
No Acto II (palácio de D. João de Portugal), a sala apresenta uma decoração antiga, os reposteiros cortam a luz, na parede dominam os retratos de Camões, D. Sebastião e D. João, símbolos dum passado ameaçador, prestes a regressar.
Finalmente, o Acto III passa-se numa sala escura e vazia (há ape­nas alguns objectos religiosos próprios da Semana Santa, símbolos de morte), fechada ao exterior, dando para a capela.
Assim, os espaços vão-se obscurecendo, afunilando, pressa­giando o desenlace final, a morte.

Correcção do questionário

1. Este excerto faz parte do Acto II, no conflito, e surge após as primeiras impressões da nova casa, a partida para Lisboa e as preocupações de D. Madalena; aproxima-se a chegada do Romeiro.

2. O receio de D. Madalena (sextas-feiras); a partida de Maria e de Manuel de Sousa criou um ambiente propício para a chegada do Romeiro; o espaço da acção, que recordava o passado, criou as condições necessárias à sua identificação; Madalena está sobressaltada, assustada e com um mau pressentimento; o simbolismo do dia em que decorre a acção é fundamental para o aumento da tensão dramática, para o crescendo da atmosfera trágica.

3.1. Estado de espírito de Madalena: amedrontada, receosa, angustiada, deixando transparecer um forte sentimento de culpa.

3.2. Esta sexta-feira será, de facto, um dia aziago para Madalena com a chegada do Romeiro e com as consequências desse acontecimento.

4. Os maus presságios de Madalena cumprem-se com a chegada do Romeiro, no final do Acto II, o que precipita o desenlace trágico: morte física de Maria e morte para o mundo de Manuel e Madalena.

5. Expressividade da linguagem e da pontuação neste excerto:
- as interrogações e as reticências, associadas às frases curtas manifestam a emoção e a intranquilidade que se vivia;
- o vocabulário utilizado que é pressagiador de desgraça;
- as repetições que destacam as emoções e a hesitação.

Análise de «Frei Luís de Sousa»

 Leia com atenção o texto transcrito. Responda, depois, de forma clara, objectiva e documentada às questões apresentadas.



JORGE, MADALENA


MADALENA

(falando ao bastidor)

— Vai, ouves, Miranda? Vai e deixa-te lá estar até veres chegar o bergantim; e quando desimbarcarem, vem-me dizer para eu ficar descansada. (Vem para a cena.) Não há vento, e o dia está lindo. Ao menos não tenho sustos com a viagem. Mas a volta… quem sabe? o tempo muda tão depressa…

JORGE

— Não, hoje não tem perigo.

MADALENA

— Hoje… hoje! Pois hoje é o dia da minha vida que mais tenho receado… que ainda temo que não acabe sem muito grande desgraça… É um dia fatal para mim; faz hoje anos que… que casei a primeira vez, faz anos que se perdeu el-rei D. Sebastião, e faz anos também que… vi pela primeira vez a Manuel de Sousa.

JORGE

— Pois contais essa entre as infelicidades da vossa vida?

MADALENA

— Conto. Este amor, que hoje está santificado e bendito no céu, porque Manuel de Sousa é meu marido, começou com um crime, porque eu amei-o assim que o vi… e quando o vi, hoje, hoje… foi em tal dia como hoje, D. João de Portugal ainda era vivo! O pecado estava-me no coração; a boca não o disse… os olhos não sei o que fizeram, mas dentro da alma eu já não tinha outra imagem senão a do amante… já não guardava a meu marido, a meu bom… a meu generoso marido… senão a grosseira fidelidade que uma mulher bem nascida quási que mais deve a si do que ao esposo. Permitiu Deus… quem sabe se para me tentar?… que naquela funesta batalha de Alcácer, entre tantos, ficasse também D. João.



I

1. Integre o excerto na estrutura da obra.



2. Comente a importância que este extracto assume para o crescendo da atmosfera trágica.



3. “ Pois hoje é o dia da minha vida que mais tenho receado... que ainda temo que não acabe sem muito grande desgraça...”

3.1. Caracterize o estado de espírito de Madalena.



3.2. Demonstre em que medida a sexta-feira será mais uma vez um dia aziago para Madalena.



4. Comprove a seguinte afirmação: “ Os maus presságios de Madalena cumprem-se com a chegada do Romeiro, o que precipita o desenlace trágico”.



5. Comente a expressividade da linguagem e da pontuação neste excerto.


B
Num texto bem estruturado, de 80 a 130 palavras, comente a seguinte afirmação.



Cada um dos cenários dos três actos de Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, sugerem, respectivamente, a felicidade aparente, a desgraça súbita fatal e a “morte”. Só naqueles espaços físicos era possível desenvolver cada um dos grandes momentos da acção trágica.


 

Cenário, atmosfera e simbologia em Frei Luís de Sousa

Cenário

O Acto I passa-se numa "câmara antiga, ornada com todo o luxo e caprichosa elegância dos princípios do século XVII", no palácio de Manuel de Sousa Coutinho, em Almada. Neste espaço elegante parece brilhar uma felicidade, que será, apenas, aparente.

O Acto II acontece "no palácio que fora de D. João de Portugal, em Almada; salão antigo, de gosto melancólico e pesado, com grandes retratos de família...". As evocações do passado e a melancolia prenunciam a desgraça fatal.

O Acto III passa-se na capela, que se situa na "parte baixa do palácio de D. João de Portugal". "É um casarão vasto sem ornato algum." O espaço denuncia o fim das preocupações materiais. Os bens do mundo são abandonados.
A atmosfera
Há ao longo da intriga dramática uma atmosfera psicológica do sebastianismo com a crença no regresso do monarca desaparecido e a crença no regresso da liberdade. Telmo Pais é quem melhor alimenta estas crenças, mas Maria mostra-se a sua melhor seguidora.
Percebe-se também uma atmosfera de superstição, nomeadamente desenvolvida em redor de D. Madalena.
Tal como na tragédia clássica, também o fatalismo é uma presença constante. O destino acompanha todos os momentos da vida das personagens, apresentando-se como uma força que as arrasta de forma cega para a desgraça. É ele que não deixa que a felicidade daquela família possa durar muito.

Simbologia
Vários elementos estão carregados de simbologia, muitas vezes a pressagiar o desenrolar da acção e a desgraça das personagens. Apenas como referência, podemos encontrar algumas situações e dados simbólicos:
- A leitura dos versos de Camões referem-se ao trágico fim dos amores de D. Inês de Castro que, como D. Madalena, também vivia uma felicidade aparente quando a desgraça se abateu.
- O tempo dos principais momentos da acção sugerem o dia aziago: sexta-feira, fim da tarde e noite (Acto I), sexta-feira, tarde (Acto II), sexta-feira, alta noite (Acto III); e à sexta-feira D. Madalena casou-se pela primeira vez; à sexta-feira viu Manuel pela primeira vez; à sexta-feira dá-se o regresso de D. João de Portugal; à sexta-feira morreu D. Sebastião, vinte e um anos antes.
- A numerologia parece ter sido escolhida intencionalmente. Madalena casou 7 anos depois de D. João haver desaparecido na batalha de Alcácer Quibir; há 14 anos que vive com Manuel de Sousa Coutinho; a desgraça, com o aparecimento do Romeiro, sucede 21 anos depois da batalha (21= 3 x 7). O número 7 é um número primo que se liga ao ciclo lunar (cada fase da Lua dura cerca de sete dias) e ao ciclo vital (as células humanas renovam-se de sete em sete anos), representa o descanso no fim da criação e pode-se encontrar em muitas representações da vida, do universo, do homem ou da religião; o número 7 indica o fim de um ciclo periódico. O número 3 é o número da criação e representa o círculo perfeito. Exprime o percurso da vida: nascimento, crescimento e morte. O número 21 corresponde a 3 x 7, ou seja, ao nascimento de uma nova realidade (7 anos foi o ciclo da busca de notícias sobre D. João de Portugal e o descanso após tanta procura); 14 anos foi o tempo de vida com Manuel de Sousa (2 x 7, o crescimento de uma dupla felicidade: como esposa de Manuel e como mãe de Maria; 14 é gerado por 1 + 4 = = 5, apresentando-se como símbolo da relação sexual, do acto de amor); 21 anos completa a tríade de 7 apresentando-se como a morte, como o encerrar do círculo dos 3 ciclos periódicos. O número 7 aparece, por vezes, a significar destino, fatalidade (imagem do completar obrigatório do ciclo da vida), enquanto o 3 indica perfeição; o 21 significa, então, a fatalidade perfeita.

- Maria vive apenas 13 anos. Na crença popular o 13 indica azar. Embora como número ímpar deva apresentar uma conotação positiva, em numerologia é gerado pelo 1 + 3 = 4, um número par, de influências negativas, que representa limites naturais. Maria vê limitados os seus momentos de vida.

Frei Luís de Sousa - Almeida Garrett

CLASSIFICAÇÃO DA OBRA

A obra Frei Luís de Sousa não é exemplo típico nem de uma tragédia clássica nem de um drama romântico. É uma obra híbrida, a nível da classificação quanto à sua natureza. O próprio Almeida Garrett o diz na Memória ao Conservatório Real, texto onde faz a apresentação da sua peça: "Contento-me para a minha obra com o título de drama; só peço que a não julguem pelas leis que regem, ou devem reger, essa composição de forma e índole nova; porque a minha, se na forma desmerece da categoria, pela índole há-de ficar pertencendo sempre ao antigo género trágico."
A tragédia grega é a história de um fado que brinca com os homens: é típico o caso de Édipo. Os homens bem fazem, bem fogem, bem inventam desculpas e subterfúgios - vale tanto como nada. Eles próprios sabem, muito embora finjam o contrário, que o destino os virá colher na rede. E pouco a pouco a face deles, que se fingia despreocupada, vai-se cavando e petrificando nas rugas do terror. Ora é este destino que se aproxima passo a passo e este terror crescente dos humanos que se sabem colhidos na rede da história que Garrett nos conta no Frei Luís de Sousa. Por isso mesmo, o drama quase não tem enredo. Logo de começo se sabe o que vai acontecer; o desfecho é evidente e não interessa ao autor torná-lo incerto por meio de uma intriga complicada. Interessa-lhe antes contar o terror e o pasmo dos homens ante esse desfecho garantido de antemão. A única acção movimentada - a resistência de Manuel de Sousa aos regentes e o incêndio de sua casa - serve para encaminhar as personagens ao ponto preciso em que o destino as quer apanhar: a casa do próprio D. João de Portugal, à vista do seu retrato. Em vão D. Madalena resiste, em vão Manuel de Sousa sossega, tentando conjurar o destino pela ignorância inocente do que todos sabem que vai acontecer.

ELEMENTOS TRÁGICOS

Podemos dizer que Frei Luís de Sousa é uma tragédia, quanto ao assunto:
• parte do tema – ilegitimidade de Maria (adultério);
• a classe social dos protagonistas: pessoas de estirpe elevada, de carácter justo e íntegro, sobre as quais recai a desgraça;
• a existência de um conflito interior vivido essencialmente pelas personagens de D. Madalena de Vilhena e de Telmo;
• o desafio ao destino (hibris) : feito por D. Madalena e Manuel de Sousa Coutinho, quando casam sem a certeza absoluta de que D. João estava morto; Manuel de Sousa, incendiando o palácio;
• o sofrimento (pathos) como uma constante ao longo da obra, especialmente vivido por D. Madalena;
• a criação de uma atmosfera de temor: os presságios de Telmo, as datas, o incêndio do retrato de Manuel de Sousa Coutinho;
• o papel do destino, entidade à qual o homem não pode fugir;
• a peripécia: o incêndio do palácio de Manuel de Sousa Coutinho, o que vai originar a ida da família para o palácio de D. João, aonde este se dirige imediatamente mal chega a Portugal, sem tempo para se inteirar bem de todos os aspectos da situação;
• o reconhecimento de uma personagem (agnorisis): o Romeiro como D. João de Portugal;
• uma fatalidade (a desonra de uma família, equivalente à morte moral), que o público/leitor vislumbra logo na primeira cena, cai gradualmente sobre Madalena até ao clímax (a revelação da identidade do Romeiro), a partir do qual o desenlace trágico se torna irreversível, atingindo todas as restantes personagens;
• a catástrofe: a morte de uma vítima inocente, D. Maria, a ida dos seus pais para o convento (morte para o mundo), a destruição psíquica de Telmo e o sofrimento de D. João;
• a catarse: o sentimento de terror e piedade provocado nos espectadores, levando-os à aprendizagem de uma lição, à purificação espiritual;
• Telmo, dizendo verdades duras à protagonista, e Frei Jorge tendo sempre uma palavra de conforto, parecem o coro grego.

ASPECTOS EM QUE A OBRA SE AFASTA DA TRAGÉDIA CLÁSSICA:
• o facto de estar escrita em prosa (a tragédia clássica era em verso);
• a utilização de um registo de língua coloquial, fluente, próximo da realidade (diferente do tom solene e vocabulário culto da tragédia clássica);
• o facto de ter três actos e não cinco;
• o desrespeito pela lei das três unidades: há apenas unidade de acção, mas não há unidade de espaço (o 1.º acto passa-se no palácio de Manuel de Sousa Coutinho, o 2.º no de D. João de Portugal e o 3.º na parte baixa deste palácio e na igreja de S. Paulo), nem de tempo (os acontecimentos não se dão num dia – máximo de 24 horas - mas sim numa semana);
• a supressão da personagem do Coro, que tinha a função de prever e comentar os acontecimentos, embora se considere que Telmo desempenha parte dessas funções;
• o assunto, que não diz respeito às lendas ou histórias da Antiguidade Clássica, mas é, sim, um assunto retirado da realidade do seu país, com actualidade e com fundo histórico.

QUAIS OS FACTORES QUE CONTRIBUEM PARA A DENOMINAR DE "DRAMA"?

São precisamente estes seis, em que se afasta da tragédia clássica e reflecte as características do drama de proximidade com a realidade.
Como se pode depreender dos tópicos apresentados, esta obra está muito mais próxima da tragédia do que do drama. Garrett apenas não a denominou assim porque o género tragédia tinha tal solenidade e conjunto rígido de regras que o autor preferiu a prudência de uma designação menos prestigiosa, o que lhe pouparia algumas críticas.

O ROMANTISMO NA OBRA

• a crença no sebastianismo alimentado por Telmo e Maria;
• o patriotismo e nacionalismo - além do que decorre do Sebastianismo, deve-se ter em conta o comportamento de Manuel de Sousa Coutinho ao incendiar o seu próprio palácio para impedir que fosse ocupado pelos Governadores ao serviço de Castela;
• exaltação do sentimento da liberdade individual dos cidadãos e consequente condenação do absolutismo político. O incêndio provocado por Manuel de Sousa no seu próprio palácio, se não liberta efectivamente a Pátria oprimida, tem, pelo menos, na sua inútil beleza, a força de um símbolo e de um exemplo;
• a crença em agouros, em dias aziagos, em superstições - alimentadas por Madalena, Telmo e Maria, que, sistematicamente, aludem a agouros, visões, sonhos;
• as visões de Maria, os seus sonhos, o seu idealismo patriótico;
• sentimentos nobres;
• a religião surge como refúgio e consolação para as almas atormentadas pelo pecado;
• gosto do teatral e espectacular, capaz de comover a sensibilidade das grandes massas de espectadores. Recordem-se os finais dos actos (incêndio do palácio, o "Ninguém..." do Romeiro, cerimónia da tomada do hábito de Manuel de Sousa e D. Madalena).
• linguagem elegante e cuidada;
• Maria é uma figura romântica de sensibilidade doentia e grande imaginação;
• tema da morte - a morte como solução dos conflitos é um tema privilegiado pelos românticos; no caso do Frei Luís de Sousa, verifica-se:
• a morte física de Maria (morre tuberculosa);
• a morte simbólica de Madalena e de Manuel, que, ao tomarem o hábito, morrem para a vida mundana;
• morte simbólica de D. João de Portugal que, depois de admitir que morreu no dia em que sua mulher o julgou morto, simbolicamente, morre uma segunda vez, quando Telmo, depois de lhe ter desejado a morte física como única maneira de salvar a sua menina, o seu anjo (Maria), aceita colaborar com o Romeiro no sentido de afirmar que se trata de um impostor, numa última tentativa de evitar a catástrofe;
• morte psicológica de Telmo.
Barreiros, António José,
História da Literatura Portuguesa, vol. II

PERSONAGENS
Madalena
Esta senhora é, como outras que Garrett retratou, vítima de um amor contrariado que casou com um homem a quem só tinha respeito, D. João de Portugal, quando afinal amava outro, Manuel de Sousa Coutinho. Mas amou-o ainda em vida do marido. Não seria esse amor cego que a levou a contrair segundas núpcias com tanta leviandade? Esse será o maior espinho a rasgar-lhe o peito, como confessou a Frei Jorge. Madalena é quem mais sofre. As palavras de Telmo, o sebastianismo da filha, a mudança de casa, a coincidência de datas, tudo se conjuga para que se adense cada vez mais a desgraça que desabará, tremenda, sobre a sua cabeça.
Vemo-la em conflito constante com os restantes personagens: com Telmo, por acreditar na vinda de D. João; com Maria, por ter ideias sebastianistas; com Manuel, por a obrigar a mudar de casa.
Em D. Madalena, os sentimentos dominam a razão:
- Para ela, é inaceitável que o sentimento do amor de Deus possa conduzir ao sacrifício do amor humano; até ao limite, tenta dissuadir o marido da tomada do hábito, só se resignando quando tem a certeza de que ele já foi;
- Apesar de não se duvidar do seu amor de mãe, é nela mais forte o amor de mulher, ao contrário do que acontece com Manuel de Sousa Coutinho, que se mostra muito mais preocupado com a filha do que com a mulher.

MANUEL DE SOUSA COUTINHO
Manuel de Sousa é o tipo de homem clássico, dominado pelos ditames da razão. Um aristocrata de sangue e de espírito, cheio de calma nos piores momentos, que sabe bem qual o caminho a trilhar.
Nunca duvida, nunca hesita. Só o esmaga, no III acto, o sofrimento causado pela visionada desonra da filha.
No acto I, assume uma atitude condizente com um espírito clássico, deixando transparecer uma serenidade e um equilíbrio próprios de uma razão que domina os sentimentos e que se manifesta num discurso expositivo e numa linguagem cuidada e erudita: revela-se patriota, corajoso e decidido; não sente ciúmes pelo passado de Madalena;
No acto III, evidencia uma postura acentuadamente romântica: a dor, após a chegada do Romeiro, parece ofuscar-lhe a razão, tal é a forma como exterioriza os seus sentimentos, fazendo-o de uma forma um tanto violenta, descontrolada e, por vezes, até contraditória (a razão leva-o a desejar a morte da filha e o amor impele-o a contrariar a razão e a suplicar desesperadamente pela sua vida);
Pode-se, pois, concluir que esta personagem, do ponto de vista psicológico, evolui de uma personalidade de tipo clássico (actos I e II) para uma personalidade de tipo romântico (acto III).

FREI JORGE

Frei Jorge, colocado no drama para desempenhar um papel secundário, é o consolador e moderador dos extremos de D. Madalena. O reconhecimento do Romeiro, junto do retrato, envolveu-o repentinamente na tragédia que atingia o irmão e a cunhada.

TELMO

Tal como Manuel de Sousa, é um homem dos antigos. Amigo de D. João, que trouxera ao colo, admira o segundo marido de D. Madalena com entusiasmo, por ser um português às direitas, mas não se conforma com a situação.
O conflito psicológico suscitado pelos dilemas perante os quais são colocadas as personagens realiza-se particularmente na figura de Telmo Pais. Telmo tem de escolher entre Maria, que ele criou, e D. João, que ele também criou e a quem deve, além disso, fidelidade de escudeiro.
Há um pormenor que o transforma em vítima: o amor a Maria. Esse amor levará Telmo a desfazer num momento todos os sonhos da sua vida. Sempre ansiara pela vinda de D. João. Mil vezes protestara a Madalena que ele viria. Agora que chegou, presta-se ao papel de o ocultar. Por amor da «sua menina», prontifica-se a dizer que o Romeiro é um impostor. Ele vira-o, conhecera-o. E vai dizer que está morto.
É como se o matasse e como se matasse a única razão que o segurava ainda ao mundo, ao mesmo tempo.
Representa o coro da tragédia, fiel, confiante, supersticioso, sebastianista, humilde, enorme sabedoria.

MARIA
Esta personagem é uma criação romântica extraordinária. Acredita em sonhos, em visões, nas tradições populares, gosta de ler romances, entusiasma-se com o patriotismo a ponto de desejar ter nascido homem, só para poder lutar pela Pátria, pelo seu gosto do romanesco, da fantasia, do folclore (imagina acontecimentos misteriosos, coisas lindas mas terríveis, acredita em agouros e superstições, desejaria ver uma batalha, extasia-se com a beleza horrível do incêndio, lê apaixonadamente romances populares, crê no regresso de D. Sebastião).
Precocemente inteligente, ultrapassa os ensinamentos de Telmo e as meias palavras que todos proferem em casa para ocultar-lhe uma verdade terrível. Prepara-se para a desgraça que vai cair sobre a sua infância, e é patética na cena final do drama por ser uma vítima inocente da sociedade cujas exigências não pode compreender.
É uma personagem idealizada - a ingenuidade, a pureza, a meiguice, próprios duma alma infantil, e a inteligência, a experiência, a cultura, a intuição, a sensibilidade exaltada, características de um espírito adulto, confluem numa personagem pouco real, protótipo da mulher-anjo, tão do agrado dos românticos. Maria é demasiado angélica para ser verdadeira.
Alguns traços caracterizadores de Maria:
• culto sebastianista
• dom da profecia
• cultura
• coragem, ingenuidade e pureza
• a tuberculose pulmonar, doença que ataca geralmente pessoas jovens, muito vulgar no séc. XIX, impressionou especialmente os escritores românticos;

D. JOÃO DE PORTUGAL

Parece um espectro que vem do outro mundo para aterrar vivos e vingar todo o mal cometido. Mas a sede de vingança confunde-se com o amor e com o sofrimento. O sofrimento dos outros, que a princípio lhe parecia insignificante comparado com o seu, acaba por comovê-lo e então pede ao seu maior amigo que lhe arranque a vida que veio mostrar, declarando que D. João de Portugal é morto, que ele, o Romeiro, o ninguém apontado a Frei Jorge, não passa de um embusteiro, de um mentiroso.
A tragédia não poupou nenhuma personagem. Cada uma a seu modo, todas tiveram razoável quinhão na desgraça, na dor imensa em que culmina o drama.
D. João de Portugal apresenta:
- Uma existência abstracta (uma espécie de fantasma omnipresente) até à cena XII do acto II, inclusive, permanecendo em cena através dos receios evocativos de Madalena, da crença de Telmo em relação ao seu regresso e do sebastianismo de Maria (se D. Sebastião pode regressar, o mesmo pode acontecer em relação a D. João de Portugal);
- Uma existência concreta a partir da cena XIII do acto II: regressa a Portugal ao fim de 21 anos, depois de ter passado 20 em cativeiro em África, surgindo na figura do Romeiro (mesmo assim, a sua identidade só é revelada no final do acto II);
- Procura interferir voluntariamente na acção dramática, tentando impedir, com a cumplicidade de Telmo, a entrada em hábito de Madalena e de Manuel de Sousa;

ESPAÇO

O espaço vai-se reduzindo: África - Europa – Portugal - Lisboa - Almada - I palácio – II palácio

TEMPO

O tempo vai-se reduzindo também, fechando-se dramaticamente em unidades cada vez mais curtas.
1578 – Madalena casa com D. João. Madalena conhece Manuel de Sousa.
1578 e 1585 – Madalena procura assegurar-se da morte de D. João
1585 e 1599 – Madalena casa com M. de Sousa.
1598 a 1599 ( 1 ano ) – D. João é libertado dirige-se para Portugal
28 de Julho a 4 de Agosto ( 8 dias ) – Madalena vive de novo no palácio de D. João.
Agosto (3 dias ) – D. João apressa-se para chegar
4 de Agosto ( hoje ) – é um dia fatal para Madalena

ESTRUTURA INTERNA DA OBRA
O conflito vai-se desenrolando e tornando cada vez mais angustiante pela sucessão destas três acções fundamentais:
- o incêndio do palácio de Manuel de Sousa e a destruição do seu retrato (fim do 1º acto);
- a mudança para o palácio de D. João de Portugal e a chegada deste na pessoa do Romeiro (2º acto);
- a morte de Maria e a tomada de hábito de Manuel de Sousa e de D. Madalena (fim do 3º acto).


ESTRUTURA EXTERNA DA OBRA
Está dividida em três actos e cada acto em cenas (o 1º acto tem 12 cenas; o 2º acto tem 15 e o 3º acto tem 12).

LINGUAGEM E ESTILO

O diálogo colocado por Garrett na boca das personagens é moderno e romântico.
A linguagem flui com aparente despreocupação. Entrecortada com reticências, com elipses contínuas, retrata os movimentos das personagens em sucessivas interrogações e exclamações.
Silêncios e pausas dizem às vezes mais do que as palavras. O tom oral sobressai em repetições vocabulares e frásicas.

INTENÇÃO CRÍTICA

Obra de carácter político associada à crise que Portugal atravessava.
Esperança na ressurreição da pátria que sofria a decadência dos ideais liberais.

O SEBASTIANISMO
No Frei Luís de Sousa, o mito sebastianista alimenta, desde o início, o conflito vivido pelas personagens, na medida em que a admissão do regresso de D. Sebastião implicava idêntica possibilidade da vinda de D. João de Portugal, que combatera ao lado do rei na batalha de Alcácer Quibir, o que, desde logo, colocaria em causa a legitimidade do segundo casamento de D. Madalena.
Não é inocente, nem fruto do acaso, o facto de Garrett ter concebido que Madalena aparecesse em cena justamente a ler Os Lusíadas. Efectivamente, tal facto está também associado ao mito sebastianista que, deste modo, marca a obra desde o seu início.
Quem se encarregará, pois, de dar corpo a tal mito? Telmo Pais, o velho aio de D. João e em cuja morte não acredita, e Maria, educada por Telmo.
Logo na segunda cena se revela com clareza todo o significado do mito «sebastianista».
Fundem-se os dois motivos de regresso quando Madalena diz a Telmo: «mas as tuas palavras misteriosas, as tuas alusões frequentes a esse desgraçado rei D. Sebastião, que o seu mais desgraçado povo ainda não quis acreditar que morresse, por quem ainda espera em sua leal incredulidade, esses contínuos agouros em que andas sempre de uma desgraça que está iminente sobre a nossa família…» Na mesma frase ligam-se dois motivos!
No Sebastianismo, como é representado no Frei Luís de Sousa por Telmo e Maria (“o nosso santo rei”, diz Maria em I, 3), reside não somente a crença em que o rei ao voltar conduzirá a uma época de brilho para Portugal. Infiltram-se nele concepções messiânicas mais antigas e relativas ao fim próximo do mundo. O regresso que se realiza no Frei Luís de Sousa é, visto de lá - e temos de o ver assim, segundo a vontade da própria obra - um anti-regresso. Não leva à redenção, mas à catástrofe, e não é uma «graça», mas sim uma «desgraça». Paira à volta do regresso destruidor de D. João de Portugal. No acto III, cena XI, chama Maria a D. João «homem do outro mundo», «anjo terrível», falando das suas visões. E quando, na cena seguinte, o vê e ouve, ela grita: «É aquela voz, é ele, é ele!» É como se Garrett tivesse duvidado dos efeitos adequados do motivo «sebastianista» por si só. Deve-se, em todo o caso, àquele motivo uma boa parte da grandeza própria do Frei Luís de Sousa.
WOLFANG KAYSER; in Análise e Interpretação da Obra Literária; Vol. 11, 5.' ed., 1970