“ Gato que brincas na rua”
A tendência excessiva para a intelectualidade e consequentemente para a abstracção leva Pesssoa ortónimo a ser incapaz de sentir e, por isso mesmo, a desejar ser inconsciente para poder atingir uma felicidade cada vez mais utópica e inatingível. Por isso, em “Ela canta, pobre ceifeira”, o poeta inveja a ingenuidade da ceifeira que, sendo infeliz, não tem disso consciência e, paradoxalmente, é feliz. Essa “inveja” que o poeta sente dos seres felizes assume o auge em “ Gato que brincas na rua”, onde é o próprio animal, porque não pensa, porque não se conhece, que aparece como uma espécie de “modelo” para se atingir a felicidade (“Invejo a sorte que é tua/ Porque nem sorte se chama/ (...)És feliz porque és assim/ (...) eu vejo-me e estou sem mim, / conheço-me e não sou eu”).
Aspectos temáticos:
- A felicidade de não pensar;
- O isolamento do “eu” face às “pedras e gentes”;
- A inveja do sujeito poético da incapacidade de racionalização do animal;
- O desconhecimento, a sensação de estranheza do “eu” em relação a si próprio.
Análise do Poema: “Bóiam leves, desatentos”
1. Encontra os elementos que sugerem indefinição e estagnação, que provocam o tédio e o cansaço de viver.
- Bóiam, desatentos, sono, corpo morto, folhas mortas, águas paradas, tédio...
1.1. Mostra como são importantes para a definição do estado de espírito do Poeta.
- Conotam claramente o estado de indefinição e estagnação do poeta: estagnação exterior = estagnação interior.
2. Observa que há uma progressão na construção metafórica: da comparação passa-se à metáfora. Justifica essa progressão.
- Para explicitar o tema.
3. Há dois gerúndios e dois oximoros. Transcreve os versos onde se encontram.
- Versos 8 e 9.
3.1. Explicita o seu sentido.
- Impossibilidade de sair do estado de estagnação.
4. O verso 12 é o verso-chave. Explica o seu sentido.
- Fatalismo de não ser o que pretendeu ser.
5. Indica o tema do texto.
- Tédio, absurdo.
5.1. Mostra como está desenvolvido.
- Em dois momentos: 1ª as estrofes 1 e 2, onde se exprime o estado psicológico do “eu”; 2ª a estrofe 3, onde se justifica esse mesmo estado.
Marcas de subjectividade/ objectividade na expressão lírica do “eu”:
- presença do “eu” na primeira pessoa pronominal e verbal;
- objectivação dos “pensamentos” como sujeito de 3ª pessoa;
- visualização do mundo subjectivo dos sentimentos (“mágoa”, “tédio”), exteriorizado pelas imagens;
- desdobramento do “eu” em sujeito e objecto (“Não sei”.../ coisas... pós...);
- reificação do mundo interior (“são coisas”)
Marcas características da poesia ortónima:
- os elementos aquáticos da simbólica pessoana;
- o cruzamento do sentir e do pensar;
- o oxímoro;
- a simplicidade formal;
- a sugestão poética simbolista.
Análise do poema “O menino da sua mãe”
Este poema em seis estrofes de cinco versos (quintilhas), de versos regulares de 6 sílabas e rimados -esquema abaab, que se repete nas diferentes quintilhas, ainda que com rimas diferentes - destoa um pouco no conjunto do Cancioneiro por, aparentemente, abordar um tema social - o da guerra e dos meninos injustamente roubados à idade ("Agora que idade tem?"), às mães e às velhas amas, à infância, afinal. Trata-se, efectivamente, de um poema de base narrativa, com narrador - o poeta; narração de uma história; acção - a morte na guerra; personagens; espaço - plaino abandonado/lá longe, em casa; e tempo - passado. O narrador é subjectivo, visto emitir juízos de valor sobre o que conta e até sobre os motivos desta morte prematura. Em todo o caso, naturalmente que aqui, sob forma narrativa, se transmitem sentimentos (mesmo que "fingidos" no sentido de fingimento pessoano), emoções, ideias - logo, expressão do Eu, lirismo.
Nas duas primeiras quintilhas, conta-se, descreve-se a situação vivida pelo protagonista e também se faz o retrato da personagem no momento actual. A descrição é feita em termos realistas, "fortes", como convém a quem quer fazer ver.
Nas estrofes seguintes, predomina a emoção, o discurso judicativo ou valorativo. O jovem, cuja juventude e perda dela são referidas em frases exclamativas, que já não tem idade (como se refere entre parênteses - discurso parentético que realça a mensagem nele contida) é, afinal, "filho único", cujo nome é, por vontade materna, O menino da sua mãe - é um menino-símbolo de uma mãe-símbolo e ambos personagens colectivas. Regressa-se nas 4ª e 5ª quintilhas à descrição e à emoção: a cigarreira breve, símbolo do que não morre, do que fica de uma vida, essa sim, breve (deves ter reconhecido a figura estilística da hipálage); o lenço bordado dado pela criada velha/que o trouxe ao colo.
A última quintilha lança um olhar sobre o espaço familiar: "Lá longe, em casa, há a prece:/"Que volte cedo e bem!" Só que a prece é, sem que lá em casa o saibam, inútil, agora que "o menino da sua mãe" 'jaz morto e apodrece" (este verbo substitui e intensifica o realismo do arrefece da 1ª estrofe). Pelo meio, novo discurso parentético que aponta subtilmente a causa que está por detrás desta morte prematura (Malhas que o Império tece!), ou seja, hoje e sempre, as vítimas que o desejo de Impérios faz.
1 comentário:
muito bom
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