É evidente que o mar foi o espaço físico efectivamente percorrido pelos portugueses, que desbravaram a sua imensidão, superando as crenças da época e descobrindo novas realidades.
Contudo, este espaço adquire um significado simbólico na obra. Ou seja, o que está em causa não é este elemento material, mas o que ele representa, ao nível da conquista humana em direcção ao Conhecimento.
Com efeito, o mar aponta para um dinamismo próprio - o das transformações. Pelo movimento das suas águas, ele possibilita a imagem da transitoriedade, indiciando realidades distintas. Então, o vaivém das águas conduz à imagem da vida e da morte (pela visualização da partida e da chegada das ondas). O mar é, pois, um espaço iniciático, isto é, trata-se do local onde o ser humano iniciou o seu percurso, visando obter uma transformação, quer no seu próprio interior, quer ao nível das experiências, entretanto adquiridas e que lhe proporcionaram atingir uma outra dimensão na escala da sabedoria humana. O mar contém, por outro lado, o reflexo do céu - e, para Pessoa, espelha-se nele a vontade divina.
As Ondas
As ondas ligam-se metonimicamente ao mar, mas representam, sobretudo, a passividade, a inércia, uma vez que são arrastadas por uma força que está para além delas. É nesta perspectiva que, na obra Mensagem, elas aparecem como projecção do inconsciente humano, que pode, igualmente, ser desperto por uma força superior e cuja natureza ultrapassa a sua condição.
As ondas são, assim, como uma espécie de espaço-matriz onde as situações se podem desenvolver, iniciando novos processos e novas fases da existência
A Terra
A Terra aparece como uma projecção do céu e representa o seu princípio passivo, isto é, funciona como receptáculo da vontade de Deus (a sua simbologia é, neste sentido, semelhante à das ondas). Mas a Terra é também um espaço de recompensa; é o porto que espera os portugueses, após um longo período de viagem marítima. E a sua dimensão, enquanto símbolo materno, surge nesta perspectiva - o regresso à terra é o regresso ao elemento natural e natal do ser humano. Alargando esta ideia, Pessoa revela, na sua obra, a ideia de uma Terra que concentra os valores simbólicos - trata-se da efectivação de um mundo onde Terra e Céu sejam, de facto, espelhos um do outro, numa perspectiva bidireccional, pois a Terra seria, após a purificação humana e a instauração da fraternidade universal, uma imagem do paraíso mítico, que perpassa em inúmeras produções literárias.
A Ilha
Metonimicamente associada à terra, a ilha concentra, porém, de forma enfática, alguns dos seus aspectos simbólicos.
Pelo seu difícil acesso, ela representa um centro espiritual e primordial. Com efeito, é necessário sabedoria e passar por algumas provações (é o caso dos navegadores portugueses) para a alcançar. Local paradisíaco, onde impera a paz, ela situa-se no domínio do sagrado, longe das massas profanas. Surge, de igual forma, como uma recompensa, como uma conquista, como um prémio merecido, após as tormentas. A ilha significa a promessa de felicidade na terra.
O Campo
"Os Campos" é o título atribuído por Fernando Pessoa à primeira parte dos poemas incluídos em "Brasão", que se intitulam, respectivamente, "O dos Castelos" e "O das Quinas". Este espaço adquire aqui a mesma simbologia da terra, enquanto princípio passivo, que permite a acção. Encontramos igualmente, neste contexto, a ligação do campo à dominante feminina, ou seja, trata-se de um espaço de vida, associado à fecundidade e ao alimento - a obra realizada pelo povo português é, também, sinónimo de vida.
As Quinas
As quinas são o símbolo das chagas de Cristo, o Deus feito homem, o Filho eleito para, apesar da sua componente material, a carne, significar a diferença, pelo cumprimento da vontade divina. Cristo é a imagem do sofrimento, para atingir a redenção dos pecados humanos, isto é, é Aquele que eleva o seu lado espiritual a uma dimensão que supera a condição humana, lutando por um Destino que se situa para além da compreensão dos homens e dos seus desejos vãos. No terceiro bloco da primeira parte, intitulado "As Quinas", encontramos os poemas "D. Duarte, Rei de Portugal", "D. Fernando, Infante de Portugal", "D. Pedro, Regente de Portugal", "D. João, Infante de Portugal" e "D. Sebastião, Rei de Portugal". Todas estas figuras históricas são apresentadas como seres cumpridores de um desejo de Deus, realizado através das suas próprias vidas. Elas unificam a "febre do Além" e são parcelas da essência divina depositada na alma humana.
O Castelo
"O dos Castelos" é o título do primeiro poema da obra Mensagem, incluído no primeiro bloco, com a designação "Os Campos" e "Os Castelos" é o título do segundo bloco de poemas incluídos nesta primeira parte. A simbologia do castelo prende-se com a da casa, refúgio onde se realizam os desejos humanos. Pela protecção que oferecem e por se situarem num local elevado, são um espaço de intimidade e de espiritualidade. Ligam-se, por este facto, à transcendência (Jerusalém celeste, cidade da Perfeição, é representada por alguns pintores como um castelo, no cimo de uma montanha). Nesta obra, o castelo remete, igualmente, para a própria fundação da nacionalidade (ligando-se ao símbolo do brasão). Assim, as figuras históricas portuguesas têm um papel importante, não só ao nível da construção do país, como em relação à construção de uma obra divina, cujos indícios são dados aos homens através da acção dos portugueses.
O Timbre
"O Timbre" é o título do quinto bloco de poemas que constitui a primeira parte da obra e que refere o Infante D. Henrique, D. João II e Afonso de Albuquerque.
Este elemento é o símbolo do poder e da posse legítima. Liga-se também à ideia de segredo. O timbre é, pois, um sinal, uma marca, dada por Deus, que assegura ao ser humano a ascensão a mundos superiores, através do conhecimento (o Infante D. Henrique surge como um ser marcado por esse destino superior - ele" Tem aos pés o mar e as mortas eras" e é" O único imperador que tem deveras l O globo mundo em sua mão"). O poder é aquilo que une o ser humano a Deus, porque esse poder é um reflexo da vontade divina.
O Grifo
Nos três poemas que constituem o final da primeira parte da obra, "Brasão", podemos ler os seguintes títulos: "A Cabeça do Grypho/O Infante D. Henrique", "Uma Asa do Grypho/D. João, o Segundo", "A Outra Asa do Grypho/Afonso de Albuquerque" .
O grifo é um animal mítico com bico e asas de águia e corpo de leão.
Assim, ele simboliza a união de duas naturezas: a humana e a divina. Pela sua forma de leão, liga-se à terra; pelas suas características de águia e pelo seu poder de ascensão, remete para o céu. É neste sentido que este animal se associa à própria natureza de Cristo, que também apresenta esta dupla união com a terra e o céu. A sua simbologia aponta para a construção de uma obra de carácter divino realizada pelos humanos. O Infante O. Henrique simboliza a sabedoria que permite a criação (ele é a cabeça do grifo); D. João II e Afonso de Albuquerque (as asas do grifo) significam a conquista de um estádio além-humano, pela sua dimensão espiritual e pelo conhecimento de que são detentores. As asas traduzem uma dissociação em relação ao elemento terrestre e a união à força e inteligência puras, enquanto emanações divinas.
O grifo é, aqui, o símbolo da condição de herói.
A Nau
A nau simboliza a viagem interior, as provações, o caminho a percorrer em, direcção ao heroísmo. Está ligada à iniciação, que pressupõe a morte, para se dar lugar a um novo ser. Com efeito, o indivíduo inicia uma nova fase da sua existência, na qual procura uma comunhão com o sagrado. Na obra Mensagem, as naus portuguesas conduziram à aquisição do conhecimento de novos mundos e de novas gentes, elevando os navegadores à condição de heróis. É esse estádio que Fernando Pessoa deseja para os portugueses do século XX.
A Noite
"Noite" é o título do primeiro poema incluído no bloco "Os Tempos" (na terceira parte da obra). A noite é o símbolo da morte, da ausência de manifestações. Na obra em causa, simboliza o tempo em que o poeta viveu, o século XX, um tempo de inércia, caótico, ao qual deverá suceder-se a luz, ou seja, a vida. A noite implica a hipótese de renascimento, a reconquista de um espaço espiritual perdido, a hipótese de acção dos portugueses, depois de um período de inacção.
Manhã
A simbologia da manhã encontra-se no penúltimo poema da Mensagem, no poema intitulado "Antemanhã". Neste texto, é o Mostrengo que interpela os portugueses, no sentido de os fazer acordar do seu sono letárgico, de modo a poderem reconquistar a glória perdida. Este período do dia significa a harmonia entre os seres humanos. É um tempo de luz, de vida, de promessa e de felicidade.
Nevoeiro (O Encoberto)
A simbologia do Encoberto (D. Sebastião) liga-se à do nevoeiro (aliás, o título do último poema da obra Mensagem). A este associa-se a indefinição, a indiferenciação das formas e, simultaneamente, a hipótese de revelação de novas realidades. É esta promessa de uma nova existência que determina o valor simbólico do nevoeiro, associado à esperança e à regeneração.
D. Sebastião é o Encoberto, cujo carácter messiânico perpassa através de toda a obra - ele é visto como o Messias, isto é, como aquele que irá salvar Portugal, restituindo-lhe as glórias do passado, assim como a capacidade de realizar, na Terra, aquilo que Deus representa enquanto força criadora, reunificando o Homem e Deus num só núcleo de significação existencial.
O Graal
De origem celta e anterior ao cristianismo, o Graal simboliza o dom da vida e a espiritualidade. Na literatura medieval, aparece igualmente associado a Cristo, que morreu para salvar a humanidade e cuja representação é o cálice utilizado na celebração da santa eucaristia, em que o vinho simboliza o sangue derramado por Cristo, para salvação dos pecados humanos. A demanda do Santo Graal, por outro lado, exigia pureza e persistência da parte daquele que a empreendia. Esta procura corresponde, fundamentalmente, a um amadurecimento interior progressivo, com vista à obtenção de um estado de perfeição cada vez maior, pois só a transformação do ser humano material num ser espiritual lhe poderá proporcionar a visão do cálice sagrado.
É de salientar, de igual modo, que a obra termina com as palavras" Valete, Fratres" (saúde, irmãos), que inaugura uma época de Esperança, de Humildade e de Verdade.
O conjunto de poemas que constituem a obra Mensagem agrupa-se em blocos mais restritos a que correspondem os números: 2, 7, 5, 1, 3 e 12, num total de 44 poemas. Fernando Pessoa tinha consciência desta divisão e deu-lhe uma significação própria, que não se dissocia do sentido dos seus poemas.
Número um
O número um simboliza o Ser, por excelência, a Revelação. Ele concentra, igualmente, a ideia harmónica entre o consciente e o inconsciente, realizando a união dos contrários, pelo que se liga à Perfeição. Os pólos opostos unem-se numa totalidade que os concilia e da qual resulta uma energia que dá ao humano a comunhão com o transcendente. "Nuno Álvares Pereira", o único poema que Pessoa inseriu sob o título "A Coroa", representa, assim, a unidade, por excelência, o centro onde coexistem as forças antitéticas, de uma forma harmónica, o que lhe confere, pela realização da união dos contrários (à semelhança do andrógino), uma dimensão sobre-humana. Lembremos que, ao nível histórico, Nuno Álvares Pereira se destacou pelo combate aos castelhanos na Batalha dos Atoleiros, em 1384. O seu patriotismo valeu-lhe a nomeação de "Condestável do Reino", atribuída por D. João I.
Número dois
Símbolo da divisão (o criador, o ente criado), o número dois pressupõe a dualidade, seja ela expressão de contrários ou de complementaridade. O dois resume o paradoxo da existência: a vida e a morte. Nesta obra, o número dois prende-se, essencialmente, com os princípios antagónicos passivo e activo. Assim, os dois poemas que se inserem em "Os Campos", "O dos Castelos" e "O das Quinas" apontam neste sentido. No primeiro poema, Portugal aparece como um campo pronto a ser fecundado (o seu rosto é fitado) e no segundo, Cristo, símbolo do sofrimento e da tormenta, é o exemplo das provações a passar, para se chegar ao princípio activo.
Número três
O número três remete para a união entre Deus, o Universo e o Homem, pelo que é um número que representa a Totalidade.
Aparece também ligado a Cristo, cuja figura concentra três vertentes: a de rei, a de padre e a de profeta. Na obra Mensagem, este número corresponde ao conjunto de poemas intitulados "Timbre": "A Cabeça do Grypho/O Infante D. Henrique", "Uma Asa do Grypho/D. João II" e "A outra asa do Grypho/Afonso de Albuquerque" - estas personagens míticas cumprem o arquétipo do rei e do padre, pelo seu Poder e pela sua Espiritualidade; o outro conjunto de poemas, "O Bandarra", "António Vieira" e "Terceiro", agrupados no título "Os Avisos", cumprem a função profética do anúncio do Quinto Império (sendo o "Terceiro" o próprio poeta). Estas personagens históricas aliam, como Cristo, pelas suas características, as dimensões humana e divina.
Por outro lado, o número três sugere ainda as fases da existência: nascimento, crescimento e morte. Ora, sabemos que a Mensagem se liga, simbolicamente, ao ciclo da vida: Brasão (a primeira parte) conota o nascimento da Nação, Mar Português (a segunda parte) evidencia o seu crescimento e o seu momento áureo histórico e O Encoberto (a terceira parte) preconiza a morte, à qual se seguiria o Renascimento.
Número cinco
O número cinco é o número da Ordem, do Equilíbrio e da Harmonia. Significa, igualmente, a Perfeição. Ele aparece em três conjuntos de poemas, cujos títulos são, respectivamente, "As Quinas", "Os Símbolos" e "Os Tempos". "As Quinas" simbolizam as cinco chagas de Cristo, ou seja, o seu sofrimento para a salvação da Humanidade - são, assim, engrandecidas, pelo seu conteúdo mítico, as figuras de D. Duarte, D. Fernando, D. Pedro, D. João e D. Sebastião. "Os Símbolos" incluem cinco poemas em que os valores simbólicos unificantes, nesta obra, assumem maior relevo. Finalmente, em "Os Tempos" anuncia-se já o "terminus" de um ciclo e incita-se ao início de outro, que instaurará a Ordem, a partir do Caos, que é o momento presente. Esse outro tempo será um tempo de harmonia, em que o Homem conhecerá a sua dimensão divina, num reino Espiritual.
Número sete
O número sete corresponde a um período temporal unificante, a semana, que tem sete dias. Ele representa, igualmente, a totalidade das energias, após a completude de um ciclo. "Os Castelos" são compostos por uma série de sete poemas, cujos títulos são os de personagens históricas (à excepção de Ulysses, figura lendária, fundador de Lisboa). Este número liga-se aqui à renovação de um ciclo que se inicia com os filhos de D. Filipa de Lencastre e termina com D. Sebastião. O sete é igualmente um número mágico, associado ao Poder e ao acto de Criação. O sétimo dia que, segundo a Bíblia, foi aquele em que Deus descansou, depois de ter criado o Mundo, aponta para a relação estreita entre Deus e o Homem, a sua obra - na Mensagem, essa indissociação entre os elementos divino e humano é explicitada pelos nomes que constituem o conjunto de poemas intitulado "As Quinas", que confere uma sequência simbólica ao grupo anterior.
Número doze
O número doze remete também para uma unidade - um ano tem doze meses. Este número é o da cidade santa, situada no Céu, a Jerusalém Celeste, que terá doze portas e na qual terão lugar os doze apóstolos. Os doze apóstolos significam a eleição de um novo povo e preconizam outra forma de estar no Universo: aquela que se baseia na fidelidade a Cristo. O número doze é, assim, o símbolo das mutações operadas no interior do ser humano e da perpétua evolução do Universo. O número doze marca, então, o final de um ciclo involutivo, ao qual se sucede a morte, que dá lugar ao renascimento. Na obra Mensagem, a segunda parte ("Mar Português") é composta por doze poemas. Como vimos, pela simbologia que compreende, ela encerra as referências míticas ao período áureo da História nacional (que fecha um ciclo) ao qual se seguiram quatro séculos de trevas. Essas trevas estão presentes na última parte ("O Encoberto") e é aí, também, que se faz apelo ao renascimento.