Os Símbolos em "Mensagem"


O próprio poeta afirmou que a sua obra se encontrava repleta de símbolos que contribuem para a sua significação. Enunciam-se aqueles que perpassam os 44 poemas que constituem a Mensagem e que assumem um espaço privilegiado, quer pela sua recorrência, quer pela carga simbólica que detêm.

O Mar
É evidente que o mar foi o espaço físico efectivamente percorrido pelos portugueses, que desbravaram a sua imensidão, superando as crenças da época e descobrindo novas realidades.
Contudo, este espaço adquire um significado simbólico na obra. Ou seja, o que está em causa não é este elemento material, mas o que ele representa, ao nível da conquista humana em direcção ao Conhecimento.
Com efeito, o mar aponta para um dinamismo próprio - o das transformações. Pelo movimento das suas águas, ele possibilita a imagem da transitoriedade, indiciando realidades distintas. Então, o vaivém das águas conduz à imagem da vida e da morte (pela visualização da partida e da chegada das ondas). O mar é, pois, um espaço iniciático, isto é, trata-se do local onde o ser humano iniciou o seu percurso, visando obter uma transformação, quer no seu próprio interior, quer ao nível das experiências, entretanto adquiridas e que lhe proporcionaram atingir uma outra dimensão na escala da sabedoria humana. O mar contém, por outro lado, o reflexo do céu - e, para Pessoa, espelha-se nele a vontade divina.

As Ondas
As ondas ligam-se metonimicamente ao mar, mas representam, sobretudo, a passividade, a inércia, uma vez que são arrastadas por uma força que está para além delas. É nesta perspectiva que, na obra Mensagem, elas aparecem como projecção do inconsciente humano, que pode, igualmente, ser desperto por uma força superior e cuja natureza ultrapassa a sua condição.
As ondas são, assim, como uma espécie de espaço-matriz onde as situações se podem desenvolver, iniciando novos processos e novas fases da existência

A Terra
A Terra aparece como uma projecção do céu e representa o seu princípio passivo, isto é, funciona como receptáculo da vontade de Deus (a sua simbologia é, neste sentido, semelhante à das ondas). Mas a Terra é também um espaço de recompensa; é o porto que espera os portugueses, após um longo período de viagem marítima. E a sua dimensão, enquanto símbolo materno, surge nesta perspectiva - o regresso à terra é o regresso ao elemento natural e natal do ser humano. Alargando esta ideia, Pessoa revela, na sua obra, a ideia de uma Terra que concentra os valores simbólicos - trata-se da efectivação de um mundo onde Terra e Céu sejam, de facto, espelhos um do outro, numa perspectiva bidireccional, pois a Terra seria, após a purificação humana e a instauração da fraternidade universal, uma imagem do paraíso mítico, que perpassa em inúmeras produções literárias.

A Ilha
Metonimicamente associada à terra, a ilha concentra, porém, de forma enfática, alguns dos seus aspectos simbólicos.
Pelo seu difícil acesso, ela representa um centro espiritual e primordial. Com efeito, é necessário sabedoria e passar por algumas provações (é o caso dos navegadores portugueses) para a alcançar. Local paradisíaco, onde impera a paz, ela situa-se no domínio do sagrado, longe das massas profanas. Surge, de igual forma, como uma recompensa, como uma conquista, como um prémio merecido, após as tormentas. A ilha significa a promessa de felicidade na terra.

O Campo
"Os Campos" é o título atribuído por Fernando Pessoa à primeira parte dos poemas incluídos em "Brasão", que se intitulam, respectivamente, "O dos Castelos" e "O das Quinas". Este espaço adquire aqui a mesma simbologia da terra, enquanto princípio passivo, que permite a acção. Encontramos igualmente, neste contexto, a ligação do campo à dominante feminina, ou seja, trata-se de um espaço de vida, associado à fecundidade e ao alimento - a obra realizada pelo povo português é, também, sinónimo de vida.

As Quinas
As quinas são o símbolo das chagas de Cristo, o Deus feito homem, o Filho eleito para, apesar da sua componente material, a carne, significar a diferença, pelo cumprimento da vontade divina. Cristo é a imagem do sofrimento, para atingir a redenção dos pecados humanos, isto é, é Aquele que eleva o seu lado espiritual a uma dimensão que supera a condição humana, lutando por um Destino que se situa para além da compreensão dos homens e dos seus desejos vãos. No terceiro bloco da primeira parte, intitulado "As Quinas", encontramos os poemas "D. Duarte, Rei de Portugal", "D. Fernando, Infante de Portugal", "D. Pedro, Regente de Portugal", "D. João, Infante de Portugal" e "D. Sebastião, Rei de Portugal". Todas estas figuras históricas são apresentadas como seres cumpridores de um desejo de Deus, realizado através das suas próprias vidas. Elas unificam a "febre do Além" e são parcelas da essência divina depositada na alma humana.

O Castelo
"O dos Castelos" é o título do primeiro poema da obra Mensagem, incluído no primeiro bloco, com a designação "Os Campos" e "Os Castelos" é o título do segundo bloco de poemas incluídos nesta primeira parte. A simbologia do castelo prende-se com a da casa, refúgio onde se realizam os desejos humanos. Pela protecção que oferecem e por se situarem num local elevado, são um espaço de intimidade e de espiritualidade. Ligam-se, por este facto, à transcendência (Jerusalém celeste, cidade da Perfeição, é representada por alguns pintores como um castelo, no cimo de uma montanha). Nesta obra, o castelo remete, igualmente, para a própria fundação da nacionalidade (ligando-se ao símbolo do brasão). Assim, as figuras históricas portuguesas têm um papel importante, não só ao nível da construção do país, como em relação à construção de uma obra divina, cujos indícios são dados aos homens através da acção dos portugueses.

O Timbre
"O Timbre" é o título do quinto bloco de poemas que constitui a primeira parte da obra e que refere o Infante D. Henrique, D. João II e Afonso de Albuquerque.
Este elemento é o símbolo do poder e da posse legítima. Liga-se também à ideia de segredo. O timbre é, pois, um sinal, uma marca, dada por Deus, que assegura ao ser humano a ascensão a mundos superiores, através do conhecimento (o Infante D. Henrique surge como um ser marcado por esse destino superior - ele" Tem aos pés o mar e as mortas eras" e é" O único imperador que tem deveras l O globo mundo em sua mão"). O poder é aquilo que une o ser humano a Deus, porque esse poder é um reflexo da vontade divina.

O Grifo
Nos três poemas que constituem o final da primeira parte da obra, "Brasão", podemos ler os seguintes títulos: "A Cabeça do Grypho/O Infante D. Henrique", "Uma Asa do Grypho/D. João, o Segundo", "A Outra Asa do Grypho/Afonso de Albuquerque" .
O grifo é um animal mítico com bico e asas de águia e corpo de leão.
Assim, ele simboliza a união de duas naturezas: a humana e a divina. Pela sua forma de leão, liga-se à terra; pelas suas características de águia e pelo seu poder de ascensão, remete para o céu. É neste sentido que este animal se associa à própria natureza de Cristo, que também apresenta esta dupla união com a terra e o céu. A sua simbologia aponta para a construção de uma obra de carácter divino realizada pelos humanos. O Infante O. Henrique simboliza a sabedoria que permite a criação (ele é a cabeça do grifo); D. João II e Afonso de Albuquerque (as asas do grifo) significam a conquista de um estádio além-humano, pela sua dimensão espiritual e pelo conhecimento de que são detentores. As asas traduzem uma dissociação em relação ao elemento terrestre e a união à força e inteligência puras, enquanto emanações divinas.
O grifo é, aqui, o símbolo da condição de herói.

A Nau
A nau simboliza a viagem interior, as provações, o caminho a percorrer em, direcção ao heroísmo. Está ligada à iniciação, que pressupõe a morte, para se dar lugar a um novo ser. Com efeito, o indivíduo inicia uma nova fase da sua existência, na qual procura uma comunhão com o sagrado. Na obra Mensagem, as naus portuguesas conduziram à aquisição do conhecimento de novos mundos e de novas gentes, elevando os navegadores à condição de heróis. É esse estádio que Fernando Pessoa deseja para os portugueses do século XX.

A Noite
"Noite" é o título do primeiro poema incluído no bloco "Os Tempos" (na terceira parte da obra). A noite é o símbolo da morte, da ausência de manifestações. Na obra em causa, simboliza o tempo em que o poeta viveu, o século XX, um tempo de inércia, caótico, ao qual deverá suceder-se a luz, ou seja, a vida. A noite implica a hipótese de renascimento, a reconquista de um espaço espiritual perdido, a hipótese de acção dos portugueses, depois de um período de inacção.

Manhã
A simbologia da manhã encontra-se no penúltimo poema da Mensagem, no poema intitulado "Antemanhã". Neste texto, é o Mostrengo que interpela os portugueses, no sentido de os fazer acordar do seu sono letárgico, de modo a poderem reconquistar a glória perdida. Este período do dia significa a harmonia entre os seres humanos. É um tempo de luz, de vida, de promessa e de felicidade.

Nevoeiro (O Encoberto)
A simbologia do Encoberto (D. Sebastião) liga-se à do nevoeiro (aliás, o título do último poema da obra Mensagem). A este associa-se a indefinição, a indiferenciação das formas e, simultaneamente, a hipótese de revelação de novas realidades. É esta promessa de uma nova existência que determina o valor simbólico do nevoeiro, associado à esperança e à regeneração.
D. Sebastião é o Encoberto, cujo carácter messiânico perpassa através de toda a obra - ele é visto como o Messias, isto é, como aquele que irá salvar Portugal, restituindo-lhe as glórias do passado, assim como a capacidade de realizar, na Terra, aquilo que Deus representa enquanto força criadora, reunificando o Homem e Deus num só núcleo de significação existencial.

O Graal
De origem celta e anterior ao cristianismo, o Graal simboliza o dom da vida e a espiritualidade. Na literatura medieval, aparece igualmente associado a Cristo, que morreu para salvar a humanidade e cuja representação é o cálice utilizado na celebração da santa eucaristia, em que o vinho simboliza o sangue derramado por Cristo, para salvação dos pecados humanos. A demanda do Santo Graal, por outro lado, exigia pureza e persistência da parte daquele que a empreendia. Esta procura corresponde, fundamentalmente, a um amadurecimento interior progressivo, com vista à obtenção de um estado de perfeição cada vez maior, pois só a transformação do ser humano material num ser espiritual lhe poderá proporcionar a visão do cálice sagrado.
É de salientar, de igual modo, que a obra termina com as palavras" Valete, Fratres" (saúde, irmãos), que inaugura uma época de Esperança, de Humildade e de Verdade.


A SIMBOLOGIA DOS NÚMEROS


O conjunto de poemas que constituem a obra Mensagem agrupa-se em blocos mais restritos a que correspondem os números: 2, 7, 5, 1, 3 e 12, num total de 44 poemas. Fernando Pessoa tinha consciência desta divisão e deu-lhe uma significação própria, que não se dissocia do sentido dos seus poemas.

Número um
O número um simboliza o Ser, por excelência, a Revelação. Ele concentra, igualmente, a ideia harmónica entre o consciente e o inconsciente, realizando a união dos contrários, pelo que se liga à Perfeição. Os pólos opostos unem-se numa totalidade que os concilia e da qual resulta uma energia que dá ao humano a comunhão com o transcendente. "Nuno Álvares Pereira", o único poema que Pessoa inseriu sob o título "A Coroa", representa, assim, a unidade, por excelência, o centro onde coexistem as forças antitéticas, de uma forma harmónica, o que lhe confere, pela realização da união dos contrários (à semelhança do andrógino), uma dimensão sobre-humana. Lembremos que, ao nível histórico, Nuno Álvares Pereira se destacou pelo combate aos castelhanos na Batalha dos Atoleiros, em 1384. O seu patriotismo valeu-lhe a nomeação de "Condestável do Reino", atribuída por D. João I.

Número dois
Símbolo da divisão (o criador, o ente criado), o número dois pressupõe a dualidade, seja ela expressão de contrários ou de complementaridade. O dois resume o paradoxo da existência: a vida e a morte. Nesta obra, o número dois prende-se, essencialmente, com os princípios antagónicos passivo e activo. Assim, os dois poemas que se inserem em "Os Campos", "O dos Castelos" e "O das Quinas" apontam neste sentido. No primeiro poema, Portugal aparece como um campo pronto a ser fecundado (o seu rosto é fitado) e no segundo, Cristo, símbolo do sofrimento e da tormenta, é o exemplo das provações a passar, para se chegar ao princípio activo.

Número três
O número três remete para a união entre Deus, o Universo e o Homem, pelo que é um número que representa a Totalidade.
Aparece também ligado a Cristo, cuja figura concentra três vertentes: a de rei, a de padre e a de profeta. Na obra Mensagem, este número corresponde ao conjunto de poemas intitulados "Timbre": "A Cabeça do Grypho/O Infante D. Henrique", "Uma Asa do Grypho/D. João II" e "A outra asa do Grypho/Afonso de Albuquerque" - estas personagens míticas cumprem o arquétipo do rei e do padre, pelo seu Poder e pela sua Espiritualidade; o outro conjunto de poemas, "O Bandarra", "António Vieira" e "Terceiro", agrupados no título "Os Avisos", cumprem a função profética do anúncio do Quinto Império (sendo o "Terceiro" o próprio poeta). Estas personagens históricas aliam, como Cristo, pelas suas características, as dimensões humana e divina.
Por outro lado, o número três sugere ainda as fases da existência: nascimento, crescimento e morte. Ora, sabemos que a Mensagem se liga, simbolicamente, ao ciclo da vida: Brasão (a primeira parte) conota o nascimento da Nação, Mar Português (a segunda parte) evidencia o seu crescimento e o seu momento áureo histórico e O Encoberto (a terceira parte) preconiza a morte, à qual se seguiria o Renascimento.

Número cinco
O número cinco é o número da Ordem, do Equilíbrio e da Harmonia. Significa, igualmente, a Perfeição. Ele aparece em três conjuntos de poemas, cujos títulos são, respectivamente, "As Quinas", "Os Símbolos" e "Os Tempos". "As Quinas" simbolizam as cinco chagas de Cristo, ou seja, o seu sofrimento para a salvação da Humanidade - são, assim, engrandecidas, pelo seu conteúdo mítico, as figuras de D. Duarte, D. Fernando, D. Pedro, D. João e D. Sebastião. "Os Símbolos" incluem cinco poemas em que os valores simbólicos unificantes, nesta obra, assumem maior relevo. Finalmente, em "Os Tempos" anuncia-se já o "terminus" de um ciclo e incita-se ao início de outro, que instaurará a Ordem, a partir do Caos, que é o momento presente. Esse outro tempo será um tempo de harmonia, em que o Homem conhecerá a sua dimensão divina, num reino Espiritual.

Número sete
O número sete corresponde a um período temporal unificante, a semana, que tem sete dias. Ele representa, igualmente, a totalidade das energias, após a completude de um ciclo. "Os Castelos" são compostos por uma série de sete poemas, cujos títulos são os de personagens históricas (à excepção de Ulysses, figura lendária, fundador de Lisboa). Este número liga-se aqui à renovação de um ciclo que se inicia com os filhos de D. Filipa de Lencastre e termina com D. Sebastião. O sete é igualmente um número mágico, associado ao Poder e ao acto de Criação. O sétimo dia que, segundo a Bíblia, foi aquele em que Deus descansou, depois de ter criado o Mundo, aponta para a relação estreita entre Deus e o Homem, a sua obra - na Mensagem, essa indissociação entre os elementos divino e humano é explicitada pelos nomes que constituem o conjunto de poemas intitulado "As Quinas", que confere uma sequência simbólica ao grupo anterior.

Número doze
O número doze remete também para uma unidade - um ano tem doze meses. Este número é o da cidade santa, situada no Céu, a Jerusalém Celeste, que terá doze portas e na qual terão lugar os doze apóstolos. Os doze apóstolos significam a eleição de um novo povo e preconizam outra forma de estar no Universo: aquela que se baseia na fidelidade a Cristo. O número doze é, assim, o símbolo das mutações operadas no interior do ser humano e da perpétua evolução do Universo. O número doze marca, então, o final de um ciclo involutivo, ao qual se sucede a morte, que dá lugar ao renascimento. Na obra Mensagem, a segunda parte ("Mar Português") é composta por doze poemas. Como vimos, pela simbologia que compreende, ela encerra as referências míticas ao período áureo da História nacional (que fecha um ciclo) ao qual se seguiram quatro séculos de trevas. Essas trevas estão presentes na última parte ("O Encoberto") e é aí, também, que se faz apelo ao renascimento.

Exercícios de aplicação



Em Os Lusíadas, «toda a metáfora da divinização significa a subversão da ordem antiga que os portugueses vêm realizar ».

Partindo do juízo expresso na afirmação transcrita, num texto de oitenta a cento e vinte palavras, saliente a visão humanista de Luís de Camões.




Num texto expositivo-argumentativo de cem a duzentas palavras, refere a importância da mitologia n’Os Lusíadas.

Exercício de Exame - Os Lusíadas







78

Um ramo na mão tinha... Mas, ó cego!

Eu, que cometo insano e temerário,

Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,

Por caminho tão árduo, longo e vário!

Vosso favor invoco, que navego

Por alto mar, com vento tão contrário,

Que, se não me ajudais, hei grande medo

Que o meu fraco batel se alague cedo.



79

Olhai que há tanto tempo que, cantando

O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,

A fortuna mo traz peregrinando,

Novos trabalhos vendo, e novos danos:

Agora o mar, agora experimentando

Os perigos Mavórcios inumanos,

Qual Canace, que à morte se condena,

Numa mão sempre a espada, e noutra a pena.



80

Agora, com pobreza avorrecida,

Por hospícios alheios degradado;

Agora, da esperança já adquirida,

De novo, mais que nunca, derribado;

Agora às costas escapando a vida,

Que dum fio pendia tão delgado

Que não menos milagre foi salvar-se

Que para o Rei Judaico acrescentar-se.



81

E ainda, Ninfas minhas, não bastava

Que tamanhas misérias me cercassem,

Senão que aqueles, que eu cantando andava

Tal prémio de meus versos me tornassem:

A troco dos descansos que esperava,

Das capelas de louro que me honrassem,

Trabalhos nunca usados me inventaram,

Com que em tão duro estado me deitaram.



82

Vede, Ninfas, que engenhos de senhores

O vosso Tejo cria valorosos,

Que assim sabem prezar com tais favores

A quem os faz, cantando, gloriosos!

Que exemplos a futuros escritores,

Para espertar engenhos curiosos,

Para porem as coisas em memória,

Que merecerem ter eterna glória!

Luís de Camões, Os Lusíadas

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.


1. O texto pertence a uma das invocações de Os Lusíadas.


1.1.Releia a estância 78. Identifique os elementos do discurso que, nesta estância, constituem marcas de invocação.

2. Baseando-se no texto, refira cinco aspectos marcantes da caracterização que o sujeito poético faz da sua vida.

3. Explicite um dos valores expressivos da anáfora «Agora» (w. 13, 17, 19, 21).

4. Atente na estância 82.
Analise a crítica social e política expressa nesta oitava.

5.«Os Lusíadas suscitam reacções contraditórias. São, por um lado, uma obra laboriosa e árdua de ler - e, por outro, um deleite, para dizer como Tétis ao Gama.»
Fernando Gil e Hélder Macedo, Viagens do Olhar, Porto, Carnpo das Letras, 1998

Partindo do juízo expresso na afirmação acima transcrita, descreva, num texto de sessenta a cem palavras, a sua reacção de leitor relativamente a Os Lusíadas.

O significado da estrutura tripartida de «Mensagem»


Nos dois primeiros poemas de Brasão (que constituem a primeira parte), encontramos a referência simbólica à fundação da nacionalidade, quer ao nível do espaço, quer no que diz respeito à fundação de uma determinada identidade: são os poemas "O dos Castelos" e "O das Quinas".


Na segunda parte de Brasão, destacam-se:
- Ulisses, o fundador mítico de Lisboa
- Viriato, o fundador da Lusitânia
- o conde D. Henrique, que deu origem ao Condado Portucalense
- D. Tareja, que inicia a dinastia de Borgonha
- D. Afonso Henriques, o primeiro rei português, o fundador de um reino e aquele que deu origem a uma dinastia
- D. Dinis, o fundador de uma cultura
- D. João I, que originou a dinastia de Avis
- D. Filipa de Lencastre, igualmente fundadora da dinastia de Avis

No terceiro bloco, que integra Brasão, "As Quinas", encontramos:
- D. Duarte
- D. Fernando
- D. Pedro
- D. João
- D. Sebastião
Estas últimas personagens históricas apresentaram - um destino comum: a luta pela nação e a condição de mártires. 0 seu martírio associa-se ao sofrimento de Cristo, porque lutaram em seu nome, pelo que as cinco quinas apontam para as cinco chagas de Cristo.

No poema "Nuno Álvares Pereira", incluso no quarto bloco, "A Coroa", encontrarmos o poder aliado não a um rei, mas a uma figura histórica que, pela sua acção, se tornou o símbolo da nacionalidade.

Finalmente, em "O Timbre", conjunto de três poemas, que finaliza a primeira parte da obra, verificamos que o grypho representa o faseamento da acção dos Descobrimentos:
- A cabeça do grypho é o Infante D. Henrique, que sonha a vontade divina
- A asa do grypho é D. João II, que leva à prática o sonho de D. Henrique, através das disposições que, para tal, profere
- A outra asa do grypho, Afonso de Albuquerque, o paradigma da acção prática, aquele que realiza aquilo que D. Henrique sonhou e que D. João II permitiu.

Na segunda parte, encontramos um espaço e figuras relacionadas com os Descobrimentos portugueses e o seu carácter heróico. As referências simbólicas apontam para a conquista não só de um império, mas também de um outro Conhecimento e de uma progressão na escala ontológica. Nesta parte, intitulada "Mar Portuguez", é a grandeza do sonho convertido em acção que o poeta clama, unificando o acto humano e o Destino traçado por Deus.

A terceira parte da obra, "O Encoberto", significa, sobretudo, a constatação de um tempo e de um espaço perdidos, envoltos nas brumas da memória, e o sofrimento do "eu" poético por ver dormir o seu povo, perdidos a sua identidade e os seus referentes. É neste momento que o poeta explicita o significado do Quinto Império, recorrendo a uma linguagem que deixa antever esse tempo de prosperidade espiritual, numa estrutura, também ela, tripartida: "Os Symbolos", que correspondem à própria linguagem da existência, "Os Avisos", em que são referidas as profecias ("Bandarra", "António Vieira" e "O Terceiro", o próprio poeta, que profetiza o Quinto Império) e "Os Tempos", que se inicia com o poema "Noite" e termina com "Nevoeiro", depois do poema "Antemanhã", ou seja, à noite sucede amanhã (simbolizada na possibilidade de nascimento, encerrada no valor simbólico do nevoeiro) - ao Caos segue-se a Ordem; ao nada sucede a Obra.

Pessoa e Camões




Pessoa propõe-se cantar Portugal, tal como fez Camões no séc XVI, mas de maneira bem diferente.



Em «Mensagem», Pessoa assume-se como cantor do fim do império português, como Camões se havia imortalizado como cantor do seu início. Um e outro colocam-se numa posição temporal simétrica em relação ao império: Camões um pouco depois de o império se ter levantado, Pessoa um pouco antes de ele se desmoronar.


Também Camões, em «Os Lusíadas», canta o império real, faz o relato da história de Portugal, da expansão marítima e do alargamento da Fé; mas pára no momento da queda do Império.


Aspectos diferenciadores entre a «Mensagem» e «Os Lusíadas»:
«Os Lusíadas»
- dimensão real e concreta
- carácter narrativo e descritivo
- conceito tradicional de herói
- valorização do passado
- nacionalismo


«Mensagem»
- dimensão simbólica e emblemática
- carácter abstractivo e interpretativo
- o verdadeiro heroismo é o da criação poética
- exaltação do futuro
- nacionalismo universalista


«Os Lusíadas» canta o Portugal de um passado glorioso (os descobrimentos), uma missão cumprida; a «Mensagem» canta um Portugal que há-de voltar a ser glorioso (o do Quinto Império), numa missão a cumprir, por força do espírito patriótico e místico da alma portuguesa. è Reconstrução do mito: o mito sebastianista. É portanto para o oculto, para o desconhecido, porque ainda não vivido, que os portugueses têm de se virar. E, mais do que isso, têm de acreditar com fervor que um Novo Império será fundado e que terá a alma portuguesa como base.


Para Pessoa, após o império real (desfeito ) virá o império espiritual (para que se cumpra Portugal) è um Portugal «além do material».

A «Mensagem» poderá ser vista como uma epopeia, porque parte dum núcleo histórico,
- Epopeia porque celebra feitos heróicos e grandiosos, reais ou lendários, de um herói individual ou colectivo (um povo), ou seja, fala dos heróis da história:
-navegantes que percorrem os mares e se imortalizaram;
-antepassados que fundaram o Império;
- profetas da nova era.
mas a sua formulação, sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá continuidade:


Estrutura tripartida da «Mensagem»: Brasão (a heráldica com a história dos que formaram o Império), Mar Português (a aventura marítima), Encoberto ( os sinais proféticos);


O fim do ciclo em Alcácer Quibir - o fracasso e a sua força renovadora.


A história da pátria apresenta-se mítica com o nascimento, a vida e a morte; mas o mito enquanto tal desprende-se do tempo histórico (omito apresenta-se como uma operação ideológica que transforma um conjunto de factos reais e possíveis num sistema coerente e totalizador de representações).


«Criar um novo Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Portuguesa,... » aponta para o estado de desagregação em que se encontrava a Nação portuguesa e que, de algum modo, fará despoletar a ânsia de renovação desejada por Fernando Pessoa e operacionalizada nos textos da «Mensagem». Fernando Pessoa acreditava que, através dos seus textos, poderia despertar as consciências e fazê-las acreditar e desejar a grandeza outrora vivenciada. Espera poder contribuir para o reerguer da Pátria, relembrando, nas 1ª e 2ª partes da «Mensagem», o passado histórico grandioso e anunciando a vinda do Encoberto (3ª parte), na figura mítica de D. Sebastião, que anunciaria o advento do Quinto Império. Preconizava para Portugal a construção de um novo império, espiritual, capaz de elevar os Portugueses ao lugar de destaque que outrora ocuparam a nível mundial. Esta projecção ficar-se-ia a dever a um «poeta ou poetas supremos» que, pela sua genialidade, colocariam Portugal, um país culturalmente evoluído, como líder de todos os outros. Na realidade, Fernando Pessoa antevê a possibilidade da supremacia de Portugal, não em termos materiais, como no tempo de Camões, mas em termos espirituais. É nesta nova concepção de Império que assenta o carácter simbólico e mítico que enforma a epopeia pessoana e que, inevitavelmente, destacará a figura deste superpoeta, em detrimento da de Camões.

A Estrutura Tripartida de Mensagem


1ª parte - Brasão - começa pela localização de Portugal na Europa e em relação ao Mundo, procurando atestar a sua grandiosidade e o valor simbólico do seu papel na civilização ocidental quando afirma «o rosto com que fita é Portugal»; depois define o mito como um nada capaz de gerar os impulsos necessários à construção da realidade; apresenta Portugal como um povo heróico e guerreiro, construtor do império marítimo; faz a valorização dos predestinados que construíram o país; e refere as mulheres portuguesas, mães dos fundadores, celebradas como «antigo seio vigilante» ou «humano ventre do Império».


Síntese: 1ª parte -> Brasão -> Construtores do Império -> corresponde ao nascimento, com referência aos mitos e figuras históricas até D. Sebastião, identificadas nos elementos dos brasões; dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço dos heróis e destinados a grandes feitos.

2ª parte - Mar Português - inicia-se com o poema «Infante», onde o poeta exprime a sua concepção messiânica da História, mostrando que o sopro criador do sonho resulta de uma lógica que implica Deus como causa primeira, o Homem como agente intermediário e a obra como feito. Nos outros poemas evoca a história dos Descobrimentos com as glórias e as tormentas, considerando que valeu a pena. O último poema da segunda parte é a «Prece», onde renova o sonho. No Mar Português procura simbolizar a essência do ideal de ser português vocacionado para o mar e para o sonho.

Síntese: 2ª parte -> Mar Português -> O sonho marítimo e a obra das Descobertas -> surge a realização e vida; refere personalidades e acontecimentos dos descobrimentos que exigiram uma luta contra o desconhecido e os elementos naturais. Mas porque «tudo vale a pena», a missão foi cumprida.

3ª parte - Encoberto - encontra-se tripartida em «Os Símbolos», «Os Avisos» e «Os Tempos». Com os primeiros começa por manifestar a esperança e o «sonho português» , pois o actual império encontra-se moribundo. Mostra a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição. Nos três avisos define os espaços de Portugal; com os cinco tempos traduz a ânsia e a saudade daquele «Salvador/Encoberto» que, na «Hora», deverá chegar para edificar o Quinto Império, cujo espírito será espiritual, moral e civilizacional na diáspora lusíada.

Síntese: 3ª parte -> Encoberto -> A imagem do Império moribundo, a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição, capaz de provocar o nascimento do império espiritual, moral e civilizacional na diáspora lusíada. A esperança do Quinto Império -> aparece a desintegração, havendo, por isso, um presente de sofrimento e de mágoa, pois «falta cumprir-se Portugal». É preciso acontecer a regeneração que será anunciada por símbolos e avisos.

A Estrutura da Obra - Mensagem


A Mensagem encontra-se dividida em três partes, cada uma delas subdividida noutras. Esta tripartição é simbólica e tem como base o facto de as profecias se realizarem três vezes, ainda que de modo diferente e tempos diferentes. Corresponde à evolução do Império Português que, tal como o ciclo da vida, passa pelo nascimento, realização e morte. Todavia, esta morte não poderá ser entendida como um fim definitivo, visto que a morte pressupõe uma ressurreição. Esta ressurreição culmina com o aparecimento de um novo império, desta vez não terreno, mas sim espiritual e cultural, a fim de atingir a paz universal ("E a nossa grande Raça partirá em busca de uma índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo de que os sonhos são feitos" - Fernando Pessoa).


Fernando Pessoa, que desejava ser um criador de mitos, apela ao mito sebastianista, à vinda de um messias que viria cumprir Portugal. Assim, o Encoberto (D. Sebastião) foi o escolhido para realizar o sonho do Quinto Império. Esta tarefa só seria cumprida com muita determinação, loucura e sonho que tão bem caracterizam D. Sebastião ("Louco, sim, louco, porque quis grandeza", em “D. Sebastião, Rei de Portugal”).


Cada uma das partes da Mensagem começa com uma expressão latina, adequada à parte simbólica a que pertence. Fernando Pessoa inicia a obra com a expressão latina Benedictus Dominus Deus noster que dedit nobis signum ("Bendito o Senhor Nosso Deus que nos deu o sinal") que nos remete para o carácter simbólico e messiânico da Mensagem.


A 1ª parte - Brasão - faz desfilar os heróis lendários ou históricos, desde Ulisses a D. Sebastião, ora invocados pelo poeta, ora definindo-se a si próprios. O poeta começa por fazer a localização de Portugal na Europa e em relação ao Mundo, salientando a sua magnitude; apresenta a definição de mito (de modo paradoxal, "O mito é o nada que é tudo"), realçando o seu valor na construção da realidade; apresenta ainda o povo português como o construtor do império marítimo, assim como revela os predestinados, responsáveis pela construção do país.


A 2ª parte - Mar Português - apresenta poesias inspiradas na ânsia do Desconhecido e no esforço heróico da luta com o Mar. É nesta parte que o poeta salienta a grandeza do sonho convertido em acção, unificando o acto humano e o Destino traçado por Deus. Surge à cabeça desta parte o poema "O Infante", para vincar a relação entre o poder de Deus na criação, o Homem como agente intermediário e a obra como resultado de toda esta relação lógica ("Deus quer, o homem sonha, a obra nasce"). Os outros poemas evocam as glórias e as tormentas passadas ao concretizar-se o sonho dos Descobrimentos.


A 3ª parte - O Encoberto - apresenta o actual Império moribundo, Portugal baço "a entristecer", pois "Tudo é incerto e derradeiro. / Tudo é disperso, nada é inteiro." (“Nevoeiro”). Face a esta constatação, o poeta considera que chegou a hora de despertarmos para a nossa missão: a constituição de um Quinto Império, um reino de liberdade de espírito e de redenção (“Ó Portugal, hoje és nevoeiro... / É a Hora! ", em "Nevoeiro"). A Mensagem termina com a expressão latina Valete Fratres ("Felicidades, irmãos"), um grito de felicidade e um apelo para que todos lutem por um novo Portugal.

Mensagem - Fernando Pessoa


Génese; contextualização; saudosismo e o épico-lírico da obra


A Mensagem, publicada em 1934, é uma colectânea que reúne poemas de carácter nacionalista e sebastianista.
Na opinião do poeta, havia-se perdido a identidade pessoal, os feitos heróicos perderam-se com o tempo e só já restava a memória. Então, nada melhor que recuperar um mito para fazer ressurgir das cinzas uma nação ("O mito é o nada que é tudo", em "Ulisses").
Pessoa acreditava no destino messiânico de Portugal e acreditava também que o saudosismo que preenchia os corações dos portugueses poderia ser o ponto de partida, a motivação para a tentativa de recuperação de uma imagem que morrera com o passado.
Camões cantara os feitos gloriosos dos portugueses, na época dos Descobrimentos; Fernando Pessoa pretendeu essencialmente enobrecer a maneira grandiosa que está subjacente à realização dos acontecimentos que engrandeceram a História nacional. Nesta obra, são enunciados factos históricos, exaltados de uma maneira que faz ecoar a epopeia, contudo, sentidos por um "eu" que impregna os poemas de uma subjectividade misturada de uma simbologia que não permite uma interpretação ingénua dos mesmos. Assim, a Mensagem, apesar de possuir um carácter lírico, apresenta uma faceta épica, carácter épico-lírico, diferente da de Camões (que cantava os feitos gloriosos de um herói), pois o poeta modernista enaltece a heroicidade do ser humano, através da espiritualização progressiva, tirando partido do mito sebastianista. Através do sonho, poder-se-ia construir um império perfeito e espiritual que teria como finalidade a construção da paz universal.
A hipótese de salvação e regeneração que D. Sebastião representa para o povo português é a base desta obra, pois é a partir do mito que se deve tentar transformar a realidade.
Já aquando da sua participação na revista A Águia, Fernando Pessoa se revelava sebastianista, prevendo até o aparecimento de um Super-Camões, cantor do Quinto Império, que seria um Super-Portugal. Este Quinto Império, já vaticinado por Padre António Vieira, profeta e visionário, não se trata de um império terreno, mas sim espiritual. Pessoa opõe ao sebastianismo passadista e tradicional um outro para o futuro, concretamente virado para a construção de um império da língua e cultura portuguesas ("Minha pátria é a língua portuguesa", Fernando Pessoa).
O que Fernando Pessoa realiza, através da Mensagem, é um apelo para que se entenda que os feitos do passado não se extinguiram - na sua essência, existe uma força propulsora cujo dinamismo é a própria natureza humana, que se projecta sempre que há um ideal (“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce”, em “O Infante”).
A literatura, para o poeta, assumia um papel importantíssimo, capaz de influenciar várias épocas e transmitir civilização. Como tal, o autor da Mensagem acreditava que, através da sua produção literária, realizaria o seu grande objectivo: arrancar Portugal do século XX, da estagnação que o caracterizava, lançando no país a agitação que permitiria ao português sentir novamente a ânsia da sua grandeza esquecida e vivida numa nostalgia sem brilho nem esperança. O importante é ser-se genuíno e que, como os portugueses do século XV; se contribua para a construção de um império unificador e cultural que se encontra para além do material A missão dos portugueses ainda não está cumprida, isto é, a conquista do mar não foi suficiente; há que sonhar novamente para se cumprir Portugal (“Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. / Senhor, falta cumprir-se Portugal!”, em “O Infante”).

Cenários de resposta - Não, não é cansaço

Poema “Não, não é cansaço” de Álvaro de Campos

1. O sujeito poético afirma no primeiro verso que não é cansaço aquilo que sente, reiterando essa afirmação ao longo do poema. No entanto, e talvez um pouco paradoxalmente, refere que a desilusão se lhe “entranha na espécie de pensar”, sublinha a monotonia da vida (“é a mesma coisa variada em cópias iguais”), exprime a angústia perante o mistério e a indefinição que perpassam nesse “falso cansaço”; finalmente aceita que, “porque ouve e vê”, o estado em que se encontra é de cansaço: “Confesso: é cansaço!…” Assim, pode-se afirmar que, progressivamente, o sujeito poético se deixa envolver/dominar por uma letargia, um estado de cansaço e desistência, que o afasta do mundo.

2. Entre o sujeito poético, os outros e o mundo há um distanciamento, decorrente da incapacidade de relação; o único ponto comum é o facto de todos existirem: “É eu estar existindo/
E também o mundo”. Os outros, os “cegos que cantam na rua”, são apenas aqueles que o sujeito poético observa, mas com quem não se relaciona.

3. O parênteses constitui um momento em que o sujeito poético abandona o tom reflexivo, se volta para o exterior e o vê como um “formidável realejo”. O parênteses é como que um oásis num texto de características claramente negativas, uma vez que é o próprio sujeito poético que lhe confere uma conotação positiva.
Simbolicamente, poder-se-ia afirmar que a felicidade só é possível para quem é “cego”, ou seja, para quem não vê a verdadeira realidade do mundo.

4. A primeira estrofe inicia-se com a repetição do advérbio de negação “não” empregue numa frase reticente, o que revela uma certa indefinição. O discurso assume um tom claramente metafórico – (“domingo às avessas/Do sentimento,/Um feriado passado no abismo...”), terminando a estrofe também com uma frase reticente. O conjunto destes recursos expressivos, aliado à repetição anafórica presente nos versos 2 e 4, traduz a tentativa de definir o estado de espírito que domina o sujeito poético.

5. Este poema integra-se na fase abúlica de Álvaro de Campos, pelo que revela de incapacidade de viver a vida, pelo que transmite de tédio, de uma certa desistência perante o mundo e os outros. Nada motiva o sujeito poético, nada lhe interessa, tudo se resume a um “supremíssimo cansaço”.

Cenários de resposta











Poema para análise - Ricardo Reis




A palidez do dia é levemente dourada.
O sol de inverno faz luzir como orvalho as curvas
Dos troncos de ramos secos.
O frio leve treme.




Desterrado da pátria antiquíssima da minha
Crença, consolado só por pensar nos deuses
Aqueço-me trémulo
A outro sol do que este –



O sol que havia sobre o Parténon e a Acrópole
O que alumiava os passos lentos e graves
De Aristóteles falando.
Mas Epicuro melhor



Me fala, com a sua cariciosa voz terrestre
Tendo para os deuses uma atitude também de deus,
Sereno e vendo a vida
À distância a que está.



Ricardo Reis, Poesia, Lisboa, Assírio & Alvim Ed., 2000




1. Caracteriza, por palavras tuas e ilustrando com passagens do texto, a paisagem em que o sujeito poético se insere.


2. Atenta na segunda estrofe.
2.1. Indica a que pátria se refere o sujeito poético nos versos 5-6.

2.2. Explicita de que forma o sujeito poético procura “consolar-se” da sensação de “desterro”.

2.3. Explica a simbologia do “outro sol” (v. 8).

3. Relê as duas últimas estrofes.
3.1. Esclarece as razões que levam o sujeito poético a preferir Epicuro a Aristóteles.

4. Identifica, no poema, três recursos estilísticos relevantes.

5. Comprova, neste poema, a presença do neopaganismo e do neoclassicismo.




Análise Poema Álvaro de Campos



Depois de leres atentamente o texto que se segue, responde de forma correcta e precisa às questões apresentadas.


Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...


Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Com tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.

Não. Cansaço porquê?
É uma sensação abstracta
Da vida concreta –
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...

Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.

(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)

Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...


Álvaro de Campos, in Poesias, Ed. Ática




1. Caracteriza, apoiando-te em expressões textuais, a evolução do percurso emocional do sujeito poético ao longo do poema.


2. Explicita o tipo de relação que se estabelece entre o sujeito poético, os outros e o mundo.


3. Refere uma interpretação simbólica possível para o conteúdo do parênteses.


4. Indica os recursos expressivos presentes na primeira estrofe e comenta a pertinência do seu emprego.


5. Integra este poema numa das fases poéticas de Álvaro de Campos, justificando.

Poema - Álvaro de Campos

Que noite serena!
Que lindo luar!
Que linda barquinha
Bailando no mar!
Suave, todo o passado — o que foi aqui de Lisboa — me surge...
O terceiro andar das tias, o sossego de outrora,
Sossego de várias espécies,
A infância sem futuro pensado,
O ruído aparentemente contínuo da máquina de costura delas,
E tudo bom e a horas,
De um bem e de um a horas próprio, hoje morto.
Meu Deus, que fiz eu da vida?
Que noite serena, etc.
Quem é que cantava isso?
Isso estava lá.
Lembro-me mas esqueço.
E dói, dói, dói...
Por amor de Deus, parem com isso dentro da minha cabeça.
Poesias de Álvaro de Campos

1. Neste poema, o sujeito poético evoca o passado. Refira os traços caracterizadores desse passado, justificando a sua resposta com exemplos do texto.

2. Os quatro primeiros versos são a citação de uma cantiga, retomada, parcialmente, no verso 13.
Explique a sua função neste poema.

3. Explicite o sentido das expressões: “aqui”(v.5) e “lá”(v.15).
4. Comente o efeito expressivo da repetição: “E dói, dói, dói…”(v.17).
5. Analise os sentimentos do sujeito poético, relativamente ao presente.

Poema - Ricardo Reis


Frutos, dão-os as árvores que vivem,
Não a iludida mente, que só se orna
Das flores lívidas
Do íntimo abismo.
Quantos reinos nos seres e nas cousas
Te não talhaste imaginário! Quantos,
Com a charrua,
Sonhos, cidades!
Ah não consegues contra o adverso mito
Criar mais que propósitos frustrados!
Abdica e sê
Rei de ti mesmo.
Ricardo Reis, Odes
© Assírio & Alvim / © Herdeiros de Fernando Pessoa



Leia atentamente o texto e responda às seguintes questões:

1. Interprete a afirmação contida no primeiro verso, por oposição à mensagem transmitida pelos três versos seguintes.

2. Que pensa o eu poético dos ambiciosos projectos humanos?

2.1 Esclareça os efeitos de sentido relativos ao uso da interjeição e do ponto de exclamação nos versos 9 e 10.

3. Explique o sentido dos dois últimos versos do poema.

3.1. Identifique e caracterize a atitude filosófica que lhes está subjacente.

4. Indique o tema dominante da composição poética.

Exame - Poema Álvaro de Campos

Álvaro de Campos - Ricardo Reis

1. «E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.»

2. «A dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas da fábrica
Tenho febre e escrevo.»

3. «E, ah! com que felicidade infecundo, cansáço,
Um supremíssimo cansaço,
fssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...»
(Alvaro de Campos)

Partindo dos excertos transcritos, num texto bem estruturado de 80 a 120 palavras, refira-se a Álvaro de Campos e às três fases da sua evolução poética.


Partindo da afirmação transcrita, elabore um texto expositivo-argumentativo de 80 a 120 palavras em que refira os aspectos fundamentais, a nível temático, da poética de Ricardo Reis.
“Reis procura simplesmente aderir ao momento presente, gozá-lo, sem nada pedir.”