Pessoa e Camões




Pessoa propõe-se cantar Portugal, tal como fez Camões no séc XVI, mas de maneira bem diferente.



Em «Mensagem», Pessoa assume-se como cantor do fim do império português, como Camões se havia imortalizado como cantor do seu início. Um e outro colocam-se numa posição temporal simétrica em relação ao império: Camões um pouco depois de o império se ter levantado, Pessoa um pouco antes de ele se desmoronar.


Também Camões, em «Os Lusíadas», canta o império real, faz o relato da história de Portugal, da expansão marítima e do alargamento da Fé; mas pára no momento da queda do Império.


Aspectos diferenciadores entre a «Mensagem» e «Os Lusíadas»:
«Os Lusíadas»
- dimensão real e concreta
- carácter narrativo e descritivo
- conceito tradicional de herói
- valorização do passado
- nacionalismo


«Mensagem»
- dimensão simbólica e emblemática
- carácter abstractivo e interpretativo
- o verdadeiro heroismo é o da criação poética
- exaltação do futuro
- nacionalismo universalista


«Os Lusíadas» canta o Portugal de um passado glorioso (os descobrimentos), uma missão cumprida; a «Mensagem» canta um Portugal que há-de voltar a ser glorioso (o do Quinto Império), numa missão a cumprir, por força do espírito patriótico e místico da alma portuguesa. è Reconstrução do mito: o mito sebastianista. É portanto para o oculto, para o desconhecido, porque ainda não vivido, que os portugueses têm de se virar. E, mais do que isso, têm de acreditar com fervor que um Novo Império será fundado e que terá a alma portuguesa como base.


Para Pessoa, após o império real (desfeito ) virá o império espiritual (para que se cumpra Portugal) è um Portugal «além do material».

A «Mensagem» poderá ser vista como uma epopeia, porque parte dum núcleo histórico,
- Epopeia porque celebra feitos heróicos e grandiosos, reais ou lendários, de um herói individual ou colectivo (um povo), ou seja, fala dos heróis da história:
-navegantes que percorrem os mares e se imortalizaram;
-antepassados que fundaram o Império;
- profetas da nova era.
mas a sua formulação, sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá continuidade:


Estrutura tripartida da «Mensagem»: Brasão (a heráldica com a história dos que formaram o Império), Mar Português (a aventura marítima), Encoberto ( os sinais proféticos);


O fim do ciclo em Alcácer Quibir - o fracasso e a sua força renovadora.


A história da pátria apresenta-se mítica com o nascimento, a vida e a morte; mas o mito enquanto tal desprende-se do tempo histórico (omito apresenta-se como uma operação ideológica que transforma um conjunto de factos reais e possíveis num sistema coerente e totalizador de representações).


«Criar um novo Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Portuguesa,... » aponta para o estado de desagregação em que se encontrava a Nação portuguesa e que, de algum modo, fará despoletar a ânsia de renovação desejada por Fernando Pessoa e operacionalizada nos textos da «Mensagem». Fernando Pessoa acreditava que, através dos seus textos, poderia despertar as consciências e fazê-las acreditar e desejar a grandeza outrora vivenciada. Espera poder contribuir para o reerguer da Pátria, relembrando, nas 1ª e 2ª partes da «Mensagem», o passado histórico grandioso e anunciando a vinda do Encoberto (3ª parte), na figura mítica de D. Sebastião, que anunciaria o advento do Quinto Império. Preconizava para Portugal a construção de um novo império, espiritual, capaz de elevar os Portugueses ao lugar de destaque que outrora ocuparam a nível mundial. Esta projecção ficar-se-ia a dever a um «poeta ou poetas supremos» que, pela sua genialidade, colocariam Portugal, um país culturalmente evoluído, como líder de todos os outros. Na realidade, Fernando Pessoa antevê a possibilidade da supremacia de Portugal, não em termos materiais, como no tempo de Camões, mas em termos espirituais. É nesta nova concepção de Império que assenta o carácter simbólico e mítico que enforma a epopeia pessoana e que, inevitavelmente, destacará a figura deste superpoeta, em detrimento da de Camões.

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