PADRE ANTÓNIO VIEIRA E A SUA ÉPOCA



Padre António Vieira nasceu em Lisboa, a 6 de Fevereiro de 1608, e faleceu no dia 18 de Julho de 1697, no Colégio da Companhia de Jesus, na Baía.
Com apenas seis anos de idade, foi para o Brasil (Baía) com a sua família, dado o seu pai aí exercer o cargo de secretário da Governação. Aqui, estudou no Colégio jesuíta da Companhia de Jesus, tendo revelado desde logo a sua vocação de pregador, iniciando, por isso, a sua missão de sacerdote relativamente cedo (1635).
Mais tarde (1641) tornou-se íntimo de D. João IV, numa altura em que veio a Lisboa, acompanhado do filho do governador. Ao monarca agradou-lhe desde logo o carácter de António Vieira, que o nomeou pregador da corte, seu conselheiro e confessor.
A vida deste homem consistiu essencialmente na sua acção política e diplomática sempre no sentido de colmatar as crescentes dificuldades sociais e as desigualdades humanas existentes. Padre António Vieira pretendia, acima de tudo, estabelecer a igualdade de direitos entre católicos, protestantes, judeus e todos quantos eram segregados; formar uma sociedade justa, em que todos tivessem as mesmas oportunidades.
Neste sentido, aconselhou junto do Rei uma política alicerçada no poder económico dos cristãos-novos, facultando-lhes a possibilidade de se movimentarem mais livremente. Contudo, esta sua atitude recebeu forte oposição do Santo Ofício, força vincada contra a burguesia mercantil.
António Vieira realizou, durante toda a sua vida, grandes campanhas contra a acção brutal da Inquisição portuguesa, assim como foi também contra a escravização e exploração dos nativos do Brasil pelos colonos. Os Jesuítas defendiam precisamente a liberdade dos indígenas e empreenderam esforços neste sentido.
A acção de António Vieira como missionário, defensor das minorias, suscitou várias inimizades, nomeadamente dos colonos e outras ordens religiosas do Maranhão que os apoiavam, e que teve o seu apogeu com a sua condenação por opiniões heréticas pelo Tribunal do Santo Ofício (1665/67).
A morte de D. João IV agravou a situação deste homem que perdeu um apoio importantíssimo para as obras que pretendia realizar. Entre outros feitos, D. João IV incrementou a cultura portuguesa, nomeadamente através da criação da Academia Real de História, aspirando dignificar o património literário nacional, se bem que orientado segundo um critério valorizador do absolutismo.


Depois da sua amnistia, Padre António Vieira partiu para Roma, onde exerceu bastante pressão contra a Inquisição portuguesa junto da Santa Sé. A verdade é que a sua acção exemplar como pregador o ajudou neste seu intento que, embora não bastasse para demolir por completo o Santo Oficio, abalou bastante a credibilidade desta instituição.
Mais tarde, regressou definitivamente à Baía, onde exerceu, até à sua morte, as funções de superior das missões em todo o Brasil e Maranhão.
Nos derradeiros anos da sua vida, dedicou-se ainda à edição das Cartas e dos Sermões, obra que é composta por quinze volumes e nos dá uma visão real e cabal, imbuída de um espírito humanitário e de bom senso, acerca da vida dos indígenas, que desde muito cedo preocupou a mente de um dos nomes mais ilustres do Barroco em Portugal.
Enquanto a estrutura das Cartas se confina a um discurso simples e familiar, a dos Sermões firma-se num exórdio ou introdução, em que o orador expõe o assunto que vai tratar sob a forma de um conceito predicável; numa exposição e confirmação, em que faz o desenvolvimento do pensamento apresentado, usando argumentos e exemplos que validem a sua ideia; e, por fim, numa peroração ou conclusão, em que o pregador faz uma conclusão de modo a deixar clara a sua opinião sobre o exposto, sempre com o intuito de convencer o(s) ouvinte(s) da sua verdade.


Vieira e o Quinto Império


A mais famosa criação da sua imaginação é a teoria do quinto império do mundo, sob a égide do rei de Portugal, quinto império que seria inaugurado com a segunda vinda de Cristo à Terra e com a chegada do messias dos judeus: «O qual seria D. João IV, a quem estava perfeitamente destinado derrotar definitivamente os Turcos e reconduzir os judeus dispersos no mundo à sua terra de origem, a Palestina.» O ponto de partida desta construção eram as trovas do Bandarra, um sapateiro de Trancoso, contemporâneo de Gil Vicente. Mas já a Crónica do Imperador Clarimundo apontava para uma monarquia universal portuguesa. O quinto império tem a ver com a missão providencial dos Portugueses (equivalente à dos Hebreus no seu tempo):

Nascer pequeno e morrer grande é chegar a ser homem. Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento e tantas para a sepultura. Para nascer pouca terra, para morrer toda a terra. Para nascer Portugal, para morrer o mundo.

A doutrina do quinto império, tal como é tratada por Vieira, especialmente na sua obra incompleta História do Futuro, tem um lado prático: obter o regresso a Portugal dos judeus fugidos e seus capitais. As circunstâncias da cultura portuguesa, assim como a situação dos índios no Brasil, foram por ele descritas com saliência e realidade em várias cartas e relatórios.
A imaginação verbal, e o estilo de pensar, com os seus paradoxos, aproximam o Pe. Vieira de Fernando Pessoa; este chamou ao seu mestre «imperador da língua portuguesa».

O Barroco


BARROCO – Século XVII (1580-1756)


A situação económica portuguesa, em fins do século XVI, estava bastante debilitada. O ouro da Mina deixou de surtir o lucro que até então dava; a concorrência na rota do Cabo adensou-se; a prata da Europa Central e Oriental entrou em declínio; e fomos obrigados a abandonar vários presídios - portos marroquinos. Nesta altura, a colonização brasileira, o comércio transatlântico do açúcar, do tabaco, do pau-brasil, o tráfico de negros africanos para a América do Sul e o aumento da exportação de sal constituíam o suporte económico e comercial da burguesia, na sua grande parte, cristãos-novos. Mais tarde, a descoberta do ouro e dos diamantes no Brasil e o incremento das exportações de vinho foram os pilares económicos da Coroa portuguesa, que deixou, por sua vez, a indústria ainda incipiente ao abandono, o que teve como consequência a emigração em massa de artífices e camponeses.
No plano político e social, o desastre de Alcácer-Quibir, em 1578, agravou a miséria e o caos vividos pela sociedade portuguesa da época. Vislumbrava-se, então, a união com a Coroa espanhola, de tal modo que a crise financeira portuguesa fosse ultrapassada. Por outro lado, os fidalgos e cavaleiros portugueses perspectivavam com essa união a sua ascensão social. Contudo, cedo se desiludiram e decepcionaram os nobres, na medida em que a Corte não permanecia muito tempo em Lisboa, menosprezando os interesses daqueles. É por isso mesmo que muitas linhagens fidalgas procuraram encontrar uma solução para as suas crescentes dificuldades económicas na ligação matrimonial com famílias de burgueses; outras, porém, dedicaram-se ao comércio açucareiro, ruralizaram-se, sentindo-se por isso, muitas vezes, frustrados e fracassados.
Simultaneamente, as ordens religiosas multiplicaram as suas instituições e enriqueceram cada vez mais; aliás, o poder da organização eclesiástica sobre a sociedade civil era cada vez maior. O povo vivia na ignorância e no fanatismo religioso, o que convinha de todo à alta nobreza e à burguesia, até porque deste modo se tornava mais fácil a ligação da Coroa portuguesa a Castela, que previa a defesa dos interesses económicos das classes mais privilegiadas.
No entanto, o Estado tornou-se monopolizador, destruiu as minorias e impôs uma disciplina ideológica eficaz contra o patriotismo ou o nacionalismo portugueses.
A burguesia de cristãos-novos dominava, nesta altura, a economia comercial e possuía um certo poder na política e na administração. Contudo, não lhe era possível obter títulos, terras ou ofícios, dado tratar-se de judeus perseguidos pela Inquisição e pelas leis de limpeza de sangue. Daí que muitos destes cristãos-novos emigrassem, uma vez que o Santo Oficio confiscava todos os seus bens.
Com a ajuda dos Jesuítas, a burguesia mercantil começou a interessar a Coroa por questões económicas, mas a verdade é que a descoberta do ouro e dos diamantes no Brasil atrasou, uma vez mais, o desenvolvimento industrial da nação.
Assim, e na ânsia de ascenderem na hierarquia social, ainda que grandes obstáculos tivessem de ultrapassar para poderem ocupar posições dominantes na cultura e na vida pública, os cristãos-novos dedicaram-se afincadamente ao estudo da Língua e da Gramática portuguesas. Nesta altura, multiplicaram-se os compêndios de história nacional, de elogio aos antigos reis portugueses; reeditaram-se sucessivamente Os Lusíadas e as Rimas de Camões, o que denotava uma atitude de resistência ao domínio filipino, pelo enaltecimento dos feitos e valores portugueses. Saliente-se, ainda, que inúmeros artífices e camponeses, descontentes com a situação actual, assim como as preocupações da Companhia de Jesus e a desilusão crescente de uma parte da nobreza, preterida na corte madrilena, contribuíram para a criação de um ambiente de intriga, que rejeitava o estado político de então.
Por esta altura, os valores preconizados pelo Humanismo foram, no fundo, apagados pela censura portuguesa, a par com a censura política do governo espanhol. A fome, os preços elevados e o fisco real provocaram uma latente revolta popular. O povo sentia-se injustiçado e desamparado, dado o abismo existente entre este e as classes mais privilegiadas.

Neste contexto, em que havia uma crise social de valores, nasceu uma literatura de evasão, mais virada para aspectos formais ou conceptuais. O BARROCO surgiu, assim, associado a uma crise política, económica e religiosa. Muitos dos seus temas possuíam um cariz fútil e insignificante, até porque interessava mais a complexidade dos artífices da forma e das ideias. A arte procurava, acima de tudo, suscitar o espanto e a admiração; muitas vezes, o texto era obscuro e incompreensível, o que se devia também, em parte, à repressão cultural instaurada pela Inquisição.
A poesia barroca tinha uma função essencialmente lúdica, pelo que os jogos de palavras, imagens, construções e conceitos, as antíteses, as metáforas, os paradoxos, as hipérboles, etc., abundavam na literatura. Havia, pois, um cumular de efeitos artísticos redundantes e repetitivos.
Os poetas do Barroco mais conceituados faziam parte de um grupo fechado, dependente da alta aristocracia. Aliás, o academismo em que se inseriam era evidente nos textos em que aqueles se elogiavam reciprocamente.
O património poético destes escritores foi compilado em dois cancioneiros – FÉNIX RENASCIDA e POSTILHÃO DE APOLO.
Nestes cancioneiros são evidentes várias influências: castelhana, de Luís de Góngora, donde a designação de gongorismo ou cultismo; italiana, de Marino, que deu origem ao estilo poético dito marinismo ou conceptismo; e, ainda, de Camões.
Por cultismo relaciona-se com a forma e a preocupação destes poetas em trabalhá-la de modo excessivo e rebuscado, tornando, muitas vezes, o conteúdo pouco claro. Nota-se um uso exagerado de trocadilhos, analogias e vocábulos fora do comum que acentuam o carácter hermético desta poesia.
O conceptismo entende-se o jogo de ideias ou conceitos, que se serve sobretudo de metáforas, comparações, imagens, entre outros recursos estilísticos, que tornam o conceito obscuro e imperceptível.
Relativamente à temática, a poesia barroca versa sobre a efemeridade da vida, o desengano, o sonho, a aparência da realidade, a dor da ausência da mulher amada, o amor não correspondido, o Homem como pecador e dependente da misericórdia divina, episódios da vida de santos, o ridículo de certas situações quotidianas, entre outros temas, não raro despidos de qualquer interesse afectivo.
No século XVII, a produção literária continuou a ser praticamente dominada pelo clero; e ainda que no Barroco se note uma mundividência aristocrática, a verdade é que surgiu impregnada de influência clerical.

O Barroco define-se essencialmente pelo objectivismo, pela opulência, pelo exibicionismo do poder e da fé. O luxo tornou-se um instrumento eficaz no sentido de impressionar o povo, desiludido e revoltado. Construíram-se igrejas, monumentos e palácios que, pela sumptuosidade da azulejaria e da talha dourada, constituem grandes criações da arte portuguesa deste século.
A tendência literária do Barroco coabitou com o Maneirismo, caracterizado por uma expressão artística mais individual, com maior liberdade de imaginação. Os temas dominantes eram precisamente as naturais limitações do Homem na Terra, a dor e o desengano da vida, a fugacidade do tempo; enfim, toda a frustração e a instabilidade sociais perpassam nesta literatura.
Contudo, a grandeza literária seiscentista residiu precisamente na prosa que visava a propagação e a edificação religiosa. De entre esta literatura encontram-se, nomeadamente, sermões, cartas, hagiografias, tratados moralistas, etc. O Barroco é, aliás, considerado por muitos a Idade de Ouro da prosa, onde se destacam figuras como Manuel Bernardes, Rodrigues Lobo, Frei Luís de Sousa, Frei António Chagas, Padre António Vieira, entre outros.



Síntese das Características do BARROCO


Características Gerais
· busca de nova expressão de vida;
· conflitos: profano/sagrado; Homem/Deus; pecado/perdão; corpo/alma; matéria/espírito;
· procura da grandiosidade harmoniosa;
· a variedade e o movimento na ideia espacial, por oposição à concepção estática e fechada da arte renascentista;
· conjugação da escultura com a arquitectura;
· a paixão e os quadros expressivos e teatrais, com admiráveis combinações de cores;
· a maravilha e o espanto…

Características da Literatura
· continuidade e permanência de alguma temática e estruturas quinhentistas;
· temas fúteis e de reflexão moral, Evasão ou busca da Espiritualidade;
· arquitectura rebuscada, cheia de ornamentos;
· estilo rítmico e movimentado, cheio de cores poéticas (o vermelho dos rubis, da púrpura e das rosas; o verde das esmeraldas ou o azul do mar, do céu e das safiras…);
· a alusão e os subentendidos;
· as metáforas, as hipérboles e as antíteses…
· a poesia como arte da palavra;
· o cultismo e o conceptismo.



O ESSENCIAL


1. O Barroco é uma época de ostentação e riqueza
A exuberância decorativa nas artes plásticas, o excesso de artifício na literatura é um dado por de mais evidente. Todavia, a temática do excesso mascara uma profunda inquietação e uma angustiante insatisfação interiores. É necessário encontrar o que está por detrás da máscara.

2. O Barroco é uma estética do deleite
A fórmula de Horácio "ensinar e deleitar" perdurou e ainda perdura como finalidade da obra de arte. Mas, nesta época, o deleite, o lúdico, destaca-se em relação à catarse (purificação) defendida por Aristóteles como prioritária.
A actividade puramente lúdica "não exprime a vida; distrai da vida. (...) é um jogo que tem no gozo estético toda a sua finalidade" (Hernâni Cidade, A Poesia Cultista e Conceptista).

3. O Barroco é o predomínio da arte sobre o talento
Na época clássica, repetiu-se sem cessar ser necessário o equilíbrio entre o talento do poeta e o seu trabalho, a sua técnica. Recorde-se o que escreveu Camões na Proposição de Os Lusíadas:
"Cantando espalharei por toda a parte
Se a tanto me ajudar o engenho e a arte”
Agora, dá-se uma ruptura no equilíbrio clássico, destaca-se o predomínio da arte na produção literária. Assiste-se a discursos engenhosos, a jogos com as palavras, a processos artificiosos, a puzzles construídos com paciente labor.

4. O Barroco é uma estética da ilusão
Não importa reproduzir ou imitar a realidade, mas fingir essa mesma realidade, enganar o observador, produzir ilusão, até porque tudo é ilusão. O recurso de estilo mais adequado a esta finalidade é a metáfora, meio por excelência da transfiguração. Por isso, a metáfora é preferida nas obras teóricas e na prática do discurso. A metáfora impõe-se como “principal forma de expressão de um ideal poético de metamorfose das coisas, de visão transfigurada do mundo; e de deslumbramento do leitor, do convite ao exercício do entendimento para, mergulhado na ilusão, a entreter como tal e se deleitar com os seus jogos” (Maria Lucília Gonçalves Pires, Xadrez de Palavras).

5. O Barroco é uma arte profundamente sensorial
Apela às sensações fruídas na variedade admirável do mundo físico. A intenção é provocar a captura do destinatário, aberto ao deslumbramento, à ostentação e ao deleite. Neste sentido, é uma arte pragmática, pois centra-se na relação entre a obra e o leitor. Este não pode ficar indiferente à maravilha do discurso engenhoso ou à profusão dos elementos decorativos.
Importa referir que o Barroco se realiza sobretudo como a arte da Contra-Reforma. Sendo a arte da persuasão, pôde ser eficaz para a conversão das almas, enlevadas na exaltação da sensibilidade. Em sentido oposto, o Protestantismo, avesso à convivência da fé com o luxo, é hostil e vê no barroco um desvio da Igreja de Deus. É por isso que, sobretudo na arquitectura, se tornou para o catolicismo a principal forma de arte religiosa, pois atrairá mais facilmente os fiéis. "Para isso, o luxo revela-se mais eficaz do que a austeridade. As matérias mais preciosas ou mais deslumbrantes, a generosidade com que são distribuídas, vão impressionar o povo (...); ele terá também os seus palácios; as igrejas. (...) a fachada voltada para a rua, onde a multidão passa, torna-se tão importante como o interior. Pouco importa que a distribuição sumptuosa dos seus elementos não corresponda à estrutura do edifício, a arte visa menos a verdade do que a eficácia" (René Huyghe, L' Art est I' Homme).

6. A mudança
A mudança, que já fora tema caro dos renascentistas, acentua-se agora, ligada ao desengano da vida. Com efeito, tudo o que é grande, belo e faustoso morre. Por isso, alude-se à beleza efémera das mulheres, à fragilidade e ao nada da vida, a falecimentos, etc. Lateja por toda a poesia um sentimento profundo de melancolia e pessimismo, mascarado pelo artificialismo.

7. O Barroco é a expressão de profunda crise
O Barroco é a expressão da angústia do fugaz e a tentativa para fixar a realidade em permanente fluir.

8. A sátira barroca
A sátira barroca retrata os vícios da sociedade da época de forma muito pormenorizada. Os alvos visados são o baixo comportamento de alguns membros do clero regular, já retratados por Gil Vicente, a mania do francesismo, os amores freiráticos, a vaidade, a dissolução dos costumes, a deslealdade da Corte, as narrações mitológicas e mesmo o próprio estilo cultista.

Sermão de Santo António aos Peixes - Padre António Vieira

Excerto do programa "Grandes Livros" transmitido na RTP2 sobre a obra do Padre António Vieira, Sermão de Santo António aos Peixes:

http://www.youtube.com/watch?v=adA2kcMBiFE&feature=related

Tópicos de Resposta - Poema de Álvaro de Campos



1. O sujeito poético afirma no primeiro verso que não é cansaço aquilo que sente, reiterando essa afirmação ao longo do poema. No entanto, e talvez um pouco paradoxalmente, refere que a desilusão se lhe “entranha na espécie de pensar”, sublinha a monotonia da vida (“é a mesma coisa variada em cópias iguais”), exprime a angústia perante o mistério e a indefinição que perpassam nesse “falso cansaço”; finalmente aceita que, “porque ouve e vê”, o estado em que se encontra é de cansaço: “Confesso: é cansaço!…” Assim, pode-se afirmar que, progressivamente, o sujeito poético se deixa envolver/dominar por uma letargia, um estado de cansaço e desistência, que o afasta do mundo.

2. Entre o sujeito poético, os outros e o mundo há um distanciamento, decorrente da incapacidade de relação; o único ponto comum é o facto de todos existirem: “É eu estar existindo/ E também o mundo”. Os outros, os “cegos que cantam na rua”, são apenas aqueles que o sujeito poético observa, mas com quem não se relaciona.

3. O parênteses constitui um momento em que o sujeito poético abandona o tom reflexivo, se volta para o exterior e o vê como um “formidável realejo”. O parênteses é como que um oásis num texto de características claramente negativas, uma vez que é o próprio sujeito poético que lhe confere uma conotação positiva. Simbolicamente, poder-se-ia afirmar que a felicidade só é possível para quem é “cego”, ou seja, para quem não vê a verdadeira realidade do mundo.

4. A primeira estrofe inicia-se com a repetição do advérbio de negação “não” empregue numa frase reticente, o que revela uma certa indefinição. O discurso assume um tom claramente metafórico – (“domingo às avessas/Do sentimento,/Um feriado passado no abismo...”), terminando a estrofe também com uma frase reticente. O conjunto destes recursos expressivos, aliado à repetição anafórica presente nos versos 2 e 4, traduz a tentativa de definir o estado de espírito que domina o sujeito poético.

5. Este poema integra-se na fase abúlica de Álvaro de Campos, pelo que revela de incapacidade de viver a vida, pelo que transmite de tédio, de uma certa desistência perante o mundo e os outros. Nada motiva o sujeito poético, nada lhe interessa, tudo se resume a um “supremíssimo cansaço”.

Tópicos de resposta


Poema - Ocidente - Mensagem


1.1. O sujeito da forma verbal “Desvendámos” é um sujeito plural que exprime o conjunto do povo português, agente das Descobertas marítimas a ocidente.


1.2. O sujeito poético afirma que a obra dos Descobrimentos portugueses foi uma aventura conjunta do homem – “o Acto” – e de Deus – “o Destino”. Assim, foi necessário que a mão de Deus erguesse “o facho trémulo e divino”, para que o homem fosse iluminado e pudesse afastar “o véu” que ocultava o desconhecido. Este acto de descoberta foi protagonizado pelo corpo e alma do homem português – “alma a Ciência e corpo a Ousadia” – ou seja, fruto da ciência e da coragem, respectivamente.

2.1. O imperfeito do conjuntivo “Fosse”, semanticamente hipotético, exprime a série de hipóteses inerentes às Descobertas: o Acaso? a Vontade? um Temporal? Mas fosse como fosse, “Desvendámos” com a ajuda divina, sendo Deus a alma e Portugal o corpo.

2.2. O recurso às maiúsculas confere autonomia, valor e legitimidade a cada uma das hipóteses levantadas: o “Acaso” é a providência divina, a “Vontade” é a intenção do homem e o “Temporal” representa os caprichos da Natureza.

3. O poema “Ocidente” integra-se na segunda parte da Mensagem, intitulada “Mar Português”,
que, na estrutura triádica da obra, representa os heróis e os feitos das Descobertas, revelando a dimensão mítica e heróica da conquista do mar – “Possessio Maris” é a expressão latina em epígrafe. Torna-se, assim, lógico que as referências contidas no poema “Ocidente” só possam ser entendidas na lógica da posse do mar, das Descobertas.


Excerto de "Felizmente Há Luar!"



1. O excerto apresentado faz parte do Acto II, o acto do antipoder, representado por Matilde, que, neste excerto, denuncia a arbitrariedade do poder e todo o conluio perpetrado para levar à condenação ilegítima de Gomes Freire. O padre e Beresford são as figuras do poder hipócrita e discricionário.

2. O discurso do padre assenta em estereótipos de um falso e demagógico cristianismo que lhe serve de justificação para actos ilícitos. As certezas inabaláveis do poder levam o padre a afirmar “com indubitável certeza” que houve um “louco e detestável projecto de estabelecer um governo revolucionário” (atente-se na dupla adjectivação de conotação negativa). As ideias maquiavélicas, segundo as quais os meios justificam os fins – “(...) todo o bem nos vem de Deus, sejam quais forem os meios de que para isso se sirva” –, adulteram a essência do espírito cristão, não sendo consonantes com uma figura da Igreja.

3. Matilde reage de forma indignada, perplexa e exaltada: ela não consegue conceber uma condenação sem julgamento e, muito menos, a existência de um Deus feito à semelhança “daqueles” homens que desvirtuam a Sua verdadeira imagem. Para Matilde, o verdadeiro Deus é outro, é Aquele a quem ela suplica a vida do seu homem, oferecendo a sua em troca, e pedindo-lhe uma morte digna.

4. Pelo exposto na resposta anterior, o discurso de Matilde encerra grande emotividade. A exclamação inicial, juntamente com a série de perguntas retóricas, exprime a indignação e a dor de Matilde, no seu discurso vincadamente apelativo.

5. Beresford revela-se em toda a peça um homem cínico e calculista. Neste excerto, essas facetas estão bem presentes quando a personagem se refere às vantagens que pode obter com a morte de um homem. Este calculismo frio e maquiavélico leva-o a encerrar o seu discurso com a tirada “Não há mais nada a considerar, minha senhora”.

Excerto de Felizmente Há Luar!


Depois de leres atentamente o texto que se segue, responde de forma correcta e precisa às questões apresentadas. (pg.98-100)


PADRE
(Lendo um papel)
Ordem dos principais da Patriarcal de Lisboa para acções de graças pela descoberta da conjuração Nos Primarii Presbiteri, Et Diaconi Sanctae Lisbonensis Ecclesiae Principales Sede Patriarchali Vacante.

Tendo chegado ao nosso conhecimento, com indubitável certeza, que houve insensatos tão temerários e atrevidos que ousaram formar o louco e detestável projecto de estabelecer um governo revolucionário e conhecendo que todo o bem nos vem de Deus, sejam quais forem os meios de que para isso se sirva, claro fica que a Ele devemos dirigir as nossas acções de graças. E por isso havemos por bem ordenar:

(Entram mais populares que se colocam entre Matilde de Melo e Beresford, escondendo este último)

Que no dia domingo, em todas as paróquias deste Patriarcado e igrejas dos Conventos Regulares, se cante, ou reze donde se não pode cantar, depois da hora de Noa, a missa votiva de Nossa Senhora, pro Gratiorum Actione, ajuntando-lhe, no fim, o hino Te Deum Laudamus com o Santíssimo Sacramento exposto; dizendo-se, igualmente, neste dia, em todas as missas, a oração pro Gratiorum Actione.

MATILDE
Mas eles ainda não foram julgados! Que espécie de Deus é o vosso que condena antes de ouvir? Que gente sois, senhores, que Reino é este em que tive a triste sorte de nascer?
Sr. Marechal: quanto vale, para vós, a vida dum homem?


(O padre, sempre seguido do sacristão tocando uma campainha, afasta-se e sai pela esquerda, enquanto os populares se sentam em círculo no chão e começam a comer. Beresford responde, já de fora do palco.)

BERESFORD
De que homem, minha senhora?

MATILDE
De qualquer homem.

BERESFORD
Depende do seu peso, da sua influência, das vantagens ou dos inconvenientes que, para mim, resultem da sua morte.

MATILDE
E nada mais?

BERESFORD
Não há mais nada a considerar, minha senhora.

Luís de Sttau Monteiro, Felizmente Há Luar!, Areal Ed.



1. Situa o excerto na globalidade da obra a que pertence e refere a sua funcionalidade.

2. Indica de que forma o discurso do padre é revelador de ideias maquiavélicas demagógicas.

3. Explica a reacção de Matilde ao anúncio proferido pelo padre.

4. Atenta na primeira fala de Matilde e caracteriza a linguagem como elemento denunciador da emotividade da personagem.

5. Indica os traços do carácter de Beresford a partir da sua resposta a Matilde.

Poema de "Mensagem"

Ocidente
Com duas mãos – o Acto e o Destino –
Desvendámos. No mesmo gesto, ao céu
Uma ergue o facho trémulo e divino
E a outra afasta o véu.


Fosse a hora que haver ou a que havia
A mão que ao Ocidente o véu rasgou,
Foi alma a Ciência e corpo a Ousadia
Da mão que desvendou.


Fosse Acaso, ou Vontade, ou Temporal
A mão que ergueu o facho que luziu,
Foi Deus a alma e o corpo Portugal
Da mão que o conduziu.


Fernando Pessoa, Mensagem


1. “Desvendámos.” (v. 2)
1.1. Identifica o sujeito da acção enunciada.


1.2. Refere de que modo o sujeito da acção cumpriu o seu objectivo.

2. Atenta no primeiro verso da segunda e terceira quadras.
2.1. Indica o valor semântico da forma verbal “Fosse”.


2.2. Explica o emprego das maiúsculas na enumeração do verso 9.

3. Integra este poema na estrutura da Mensagem, justificando devidamente a tua resposta.

Poema de Álvaro de Campos




Depois de leres atentamente o texto que se segue, responde de forma correcta e precisa às questões apresentadas.



Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
É um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...



Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Com tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.



Não. Cansaço porquê?
É uma sensação abstracta
Da vida concreta –
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...



Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.



(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)



Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...



Álvaro de Campos, in Poesias, Ed. Ática






1. Caracteriza, apoiando-te em expressões textuais, a evolução do percurso emocional do sujeito poético ao longo do poema.
2. Explicita o tipo de relação que se estabelece entre o sujeito poético, os outros e o mundo.
3. Refere uma interpretação simbólica possível para o conteúdo do parênteses.
4. Indica os recursos expressivos presentes na primeira estrofe e comenta a pertinência do seu emprego.
5. Integra este poema numa das fases poéticas de Álvaro de Campos, justificando.

Exercícios - pergunta B




“ A Mensagem é toda ela um acto de paixão pela pátria, que a confunde com a aspiração de um povo, a passar além de si e dar ao mundo novos mundos que só a inteligência poética pode achar.”


Silvina Rodrigues Lopes




Comente o excerto transcrito, num texto expositivo-argumentativo de 80 a 120 palavras, tendo em conta o estudo realizado do poema pessoano, não se esquecendo de referir alguns poemas que consolidem a sua resposta.




Com base nos conhecimentos que possui da obra camoniana Os Lusíadas, redija, para cada um dos seguintes tópicos, um parágrafo, com um mínimo de 40 palavras, que pudesse ser inserido num sítio da Internet:
- a mitificação do herói;
- o desalento do Poeta.



Na carta a Adolfo Casais Monteiro, Pessoa afirma, referindo-se a Caeiro: "… aparecera em mim o meu Mestre."

Num texto com 80 a 120 palavras, aprecie esta afirmação, apoiando-se em poemas de Caeiro que a possam justificar.




Na carta a Adolfo Casais Monteiro, Pessoa refere "E assim fiz o Opiário, em que tentei dar todas as tendências latentes do Álvaro de Campos, conforme haviam de ser depois reveladas, mas sem haver qualquer traço de contacto com o seu mestre Caeiro".

Fazendo apelo à sua experiência de leitura, apresente os "ensinamentos" do mestre Caeiro aos seus "discípulos" Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Desenvolva a sua reflexão num texto bem estruturado, de 80 a 120 palavras.


O que há em mim é sobretudo cansaço -
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada -
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
(Álvaro de Campos)

Partindo da sua experiência de leitura, identifique o traço de poesia deste heterónimo de Fernando Pessoa a que atribui maior importância. Fundamente a sua resposta, aludindo a poemas lidos, num texto bem estruturado, com cerca de 80 a 120 palavras.
Partindo da afirmação transcrita, elabore um texto expositivo-argumentativo de 80 a 120 palavras em que refira os aspectos fundamentais, a nível temático, da poética de Ricardo Reis.
“Reis procura simplesmente aderir ao momento presente, gozá-lo, sem nada pedir.”
Tendo em conta o estudo que fez da poesia de Ricardo Reis, comente e fundamente, num texto com cerca de 80 a 120 palavras, a afirmação que se segue:

Ricardo Reis é considerado um homem lúcido e cauteloso, que tenta construir uma felicidade relativa, um misto de resignação e de moderado gozo que não compromete a sua liberdade interior.

Os Símbolos em "Mensagem"


O próprio poeta afirmou que a sua obra se encontrava repleta de símbolos que contribuem para a sua significação. Enunciam-se aqueles que perpassam os 44 poemas que constituem a Mensagem e que assumem um espaço privilegiado, quer pela sua recorrência, quer pela carga simbólica que detêm.

O Mar
É evidente que o mar foi o espaço físico efectivamente percorrido pelos portugueses, que desbravaram a sua imensidão, superando as crenças da época e descobrindo novas realidades.
Contudo, este espaço adquire um significado simbólico na obra. Ou seja, o que está em causa não é este elemento material, mas o que ele representa, ao nível da conquista humana em direcção ao Conhecimento.
Com efeito, o mar aponta para um dinamismo próprio - o das transformações. Pelo movimento das suas águas, ele possibilita a imagem da transitoriedade, indiciando realidades distintas. Então, o vaivém das águas conduz à imagem da vida e da morte (pela visualização da partida e da chegada das ondas). O mar é, pois, um espaço iniciático, isto é, trata-se do local onde o ser humano iniciou o seu percurso, visando obter uma transformação, quer no seu próprio interior, quer ao nível das experiências, entretanto adquiridas e que lhe proporcionaram atingir uma outra dimensão na escala da sabedoria humana. O mar contém, por outro lado, o reflexo do céu - e, para Pessoa, espelha-se nele a vontade divina.

As Ondas
As ondas ligam-se metonimicamente ao mar, mas representam, sobretudo, a passividade, a inércia, uma vez que são arrastadas por uma força que está para além delas. É nesta perspectiva que, na obra Mensagem, elas aparecem como projecção do inconsciente humano, que pode, igualmente, ser desperto por uma força superior e cuja natureza ultrapassa a sua condição.
As ondas são, assim, como uma espécie de espaço-matriz onde as situações se podem desenvolver, iniciando novos processos e novas fases da existência

A Terra
A Terra aparece como uma projecção do céu e representa o seu princípio passivo, isto é, funciona como receptáculo da vontade de Deus (a sua simbologia é, neste sentido, semelhante à das ondas). Mas a Terra é também um espaço de recompensa; é o porto que espera os portugueses, após um longo período de viagem marítima. E a sua dimensão, enquanto símbolo materno, surge nesta perspectiva - o regresso à terra é o regresso ao elemento natural e natal do ser humano. Alargando esta ideia, Pessoa revela, na sua obra, a ideia de uma Terra que concentra os valores simbólicos - trata-se da efectivação de um mundo onde Terra e Céu sejam, de facto, espelhos um do outro, numa perspectiva bidireccional, pois a Terra seria, após a purificação humana e a instauração da fraternidade universal, uma imagem do paraíso mítico, que perpassa em inúmeras produções literárias.

A Ilha
Metonimicamente associada à terra, a ilha concentra, porém, de forma enfática, alguns dos seus aspectos simbólicos.
Pelo seu difícil acesso, ela representa um centro espiritual e primordial. Com efeito, é necessário sabedoria e passar por algumas provações (é o caso dos navegadores portugueses) para a alcançar. Local paradisíaco, onde impera a paz, ela situa-se no domínio do sagrado, longe das massas profanas. Surge, de igual forma, como uma recompensa, como uma conquista, como um prémio merecido, após as tormentas. A ilha significa a promessa de felicidade na terra.

O Campo
"Os Campos" é o título atribuído por Fernando Pessoa à primeira parte dos poemas incluídos em "Brasão", que se intitulam, respectivamente, "O dos Castelos" e "O das Quinas". Este espaço adquire aqui a mesma simbologia da terra, enquanto princípio passivo, que permite a acção. Encontramos igualmente, neste contexto, a ligação do campo à dominante feminina, ou seja, trata-se de um espaço de vida, associado à fecundidade e ao alimento - a obra realizada pelo povo português é, também, sinónimo de vida.

As Quinas
As quinas são o símbolo das chagas de Cristo, o Deus feito homem, o Filho eleito para, apesar da sua componente material, a carne, significar a diferença, pelo cumprimento da vontade divina. Cristo é a imagem do sofrimento, para atingir a redenção dos pecados humanos, isto é, é Aquele que eleva o seu lado espiritual a uma dimensão que supera a condição humana, lutando por um Destino que se situa para além da compreensão dos homens e dos seus desejos vãos. No terceiro bloco da primeira parte, intitulado "As Quinas", encontramos os poemas "D. Duarte, Rei de Portugal", "D. Fernando, Infante de Portugal", "D. Pedro, Regente de Portugal", "D. João, Infante de Portugal" e "D. Sebastião, Rei de Portugal". Todas estas figuras históricas são apresentadas como seres cumpridores de um desejo de Deus, realizado através das suas próprias vidas. Elas unificam a "febre do Além" e são parcelas da essência divina depositada na alma humana.

O Castelo
"O dos Castelos" é o título do primeiro poema da obra Mensagem, incluído no primeiro bloco, com a designação "Os Campos" e "Os Castelos" é o título do segundo bloco de poemas incluídos nesta primeira parte. A simbologia do castelo prende-se com a da casa, refúgio onde se realizam os desejos humanos. Pela protecção que oferecem e por se situarem num local elevado, são um espaço de intimidade e de espiritualidade. Ligam-se, por este facto, à transcendência (Jerusalém celeste, cidade da Perfeição, é representada por alguns pintores como um castelo, no cimo de uma montanha). Nesta obra, o castelo remete, igualmente, para a própria fundação da nacionalidade (ligando-se ao símbolo do brasão). Assim, as figuras históricas portuguesas têm um papel importante, não só ao nível da construção do país, como em relação à construção de uma obra divina, cujos indícios são dados aos homens através da acção dos portugueses.

O Timbre
"O Timbre" é o título do quinto bloco de poemas que constitui a primeira parte da obra e que refere o Infante D. Henrique, D. João II e Afonso de Albuquerque.
Este elemento é o símbolo do poder e da posse legítima. Liga-se também à ideia de segredo. O timbre é, pois, um sinal, uma marca, dada por Deus, que assegura ao ser humano a ascensão a mundos superiores, através do conhecimento (o Infante D. Henrique surge como um ser marcado por esse destino superior - ele" Tem aos pés o mar e as mortas eras" e é" O único imperador que tem deveras l O globo mundo em sua mão"). O poder é aquilo que une o ser humano a Deus, porque esse poder é um reflexo da vontade divina.

O Grifo
Nos três poemas que constituem o final da primeira parte da obra, "Brasão", podemos ler os seguintes títulos: "A Cabeça do Grypho/O Infante D. Henrique", "Uma Asa do Grypho/D. João, o Segundo", "A Outra Asa do Grypho/Afonso de Albuquerque" .
O grifo é um animal mítico com bico e asas de águia e corpo de leão.
Assim, ele simboliza a união de duas naturezas: a humana e a divina. Pela sua forma de leão, liga-se à terra; pelas suas características de águia e pelo seu poder de ascensão, remete para o céu. É neste sentido que este animal se associa à própria natureza de Cristo, que também apresenta esta dupla união com a terra e o céu. A sua simbologia aponta para a construção de uma obra de carácter divino realizada pelos humanos. O Infante O. Henrique simboliza a sabedoria que permite a criação (ele é a cabeça do grifo); D. João II e Afonso de Albuquerque (as asas do grifo) significam a conquista de um estádio além-humano, pela sua dimensão espiritual e pelo conhecimento de que são detentores. As asas traduzem uma dissociação em relação ao elemento terrestre e a união à força e inteligência puras, enquanto emanações divinas.
O grifo é, aqui, o símbolo da condição de herói.

A Nau
A nau simboliza a viagem interior, as provações, o caminho a percorrer em, direcção ao heroísmo. Está ligada à iniciação, que pressupõe a morte, para se dar lugar a um novo ser. Com efeito, o indivíduo inicia uma nova fase da sua existência, na qual procura uma comunhão com o sagrado. Na obra Mensagem, as naus portuguesas conduziram à aquisição do conhecimento de novos mundos e de novas gentes, elevando os navegadores à condição de heróis. É esse estádio que Fernando Pessoa deseja para os portugueses do século XX.

A Noite
"Noite" é o título do primeiro poema incluído no bloco "Os Tempos" (na terceira parte da obra). A noite é o símbolo da morte, da ausência de manifestações. Na obra em causa, simboliza o tempo em que o poeta viveu, o século XX, um tempo de inércia, caótico, ao qual deverá suceder-se a luz, ou seja, a vida. A noite implica a hipótese de renascimento, a reconquista de um espaço espiritual perdido, a hipótese de acção dos portugueses, depois de um período de inacção.

Manhã
A simbologia da manhã encontra-se no penúltimo poema da Mensagem, no poema intitulado "Antemanhã". Neste texto, é o Mostrengo que interpela os portugueses, no sentido de os fazer acordar do seu sono letárgico, de modo a poderem reconquistar a glória perdida. Este período do dia significa a harmonia entre os seres humanos. É um tempo de luz, de vida, de promessa e de felicidade.

Nevoeiro (O Encoberto)
A simbologia do Encoberto (D. Sebastião) liga-se à do nevoeiro (aliás, o título do último poema da obra Mensagem). A este associa-se a indefinição, a indiferenciação das formas e, simultaneamente, a hipótese de revelação de novas realidades. É esta promessa de uma nova existência que determina o valor simbólico do nevoeiro, associado à esperança e à regeneração.
D. Sebastião é o Encoberto, cujo carácter messiânico perpassa através de toda a obra - ele é visto como o Messias, isto é, como aquele que irá salvar Portugal, restituindo-lhe as glórias do passado, assim como a capacidade de realizar, na Terra, aquilo que Deus representa enquanto força criadora, reunificando o Homem e Deus num só núcleo de significação existencial.

O Graal
De origem celta e anterior ao cristianismo, o Graal simboliza o dom da vida e a espiritualidade. Na literatura medieval, aparece igualmente associado a Cristo, que morreu para salvar a humanidade e cuja representação é o cálice utilizado na celebração da santa eucaristia, em que o vinho simboliza o sangue derramado por Cristo, para salvação dos pecados humanos. A demanda do Santo Graal, por outro lado, exigia pureza e persistência da parte daquele que a empreendia. Esta procura corresponde, fundamentalmente, a um amadurecimento interior progressivo, com vista à obtenção de um estado de perfeição cada vez maior, pois só a transformação do ser humano material num ser espiritual lhe poderá proporcionar a visão do cálice sagrado.
É de salientar, de igual modo, que a obra termina com as palavras" Valete, Fratres" (saúde, irmãos), que inaugura uma época de Esperança, de Humildade e de Verdade.


A SIMBOLOGIA DOS NÚMEROS


O conjunto de poemas que constituem a obra Mensagem agrupa-se em blocos mais restritos a que correspondem os números: 2, 7, 5, 1, 3 e 12, num total de 44 poemas. Fernando Pessoa tinha consciência desta divisão e deu-lhe uma significação própria, que não se dissocia do sentido dos seus poemas.

Número um
O número um simboliza o Ser, por excelência, a Revelação. Ele concentra, igualmente, a ideia harmónica entre o consciente e o inconsciente, realizando a união dos contrários, pelo que se liga à Perfeição. Os pólos opostos unem-se numa totalidade que os concilia e da qual resulta uma energia que dá ao humano a comunhão com o transcendente. "Nuno Álvares Pereira", o único poema que Pessoa inseriu sob o título "A Coroa", representa, assim, a unidade, por excelência, o centro onde coexistem as forças antitéticas, de uma forma harmónica, o que lhe confere, pela realização da união dos contrários (à semelhança do andrógino), uma dimensão sobre-humana. Lembremos que, ao nível histórico, Nuno Álvares Pereira se destacou pelo combate aos castelhanos na Batalha dos Atoleiros, em 1384. O seu patriotismo valeu-lhe a nomeação de "Condestável do Reino", atribuída por D. João I.

Número dois
Símbolo da divisão (o criador, o ente criado), o número dois pressupõe a dualidade, seja ela expressão de contrários ou de complementaridade. O dois resume o paradoxo da existência: a vida e a morte. Nesta obra, o número dois prende-se, essencialmente, com os princípios antagónicos passivo e activo. Assim, os dois poemas que se inserem em "Os Campos", "O dos Castelos" e "O das Quinas" apontam neste sentido. No primeiro poema, Portugal aparece como um campo pronto a ser fecundado (o seu rosto é fitado) e no segundo, Cristo, símbolo do sofrimento e da tormenta, é o exemplo das provações a passar, para se chegar ao princípio activo.

Número três
O número três remete para a união entre Deus, o Universo e o Homem, pelo que é um número que representa a Totalidade.
Aparece também ligado a Cristo, cuja figura concentra três vertentes: a de rei, a de padre e a de profeta. Na obra Mensagem, este número corresponde ao conjunto de poemas intitulados "Timbre": "A Cabeça do Grypho/O Infante D. Henrique", "Uma Asa do Grypho/D. João II" e "A outra asa do Grypho/Afonso de Albuquerque" - estas personagens míticas cumprem o arquétipo do rei e do padre, pelo seu Poder e pela sua Espiritualidade; o outro conjunto de poemas, "O Bandarra", "António Vieira" e "Terceiro", agrupados no título "Os Avisos", cumprem a função profética do anúncio do Quinto Império (sendo o "Terceiro" o próprio poeta). Estas personagens históricas aliam, como Cristo, pelas suas características, as dimensões humana e divina.
Por outro lado, o número três sugere ainda as fases da existência: nascimento, crescimento e morte. Ora, sabemos que a Mensagem se liga, simbolicamente, ao ciclo da vida: Brasão (a primeira parte) conota o nascimento da Nação, Mar Português (a segunda parte) evidencia o seu crescimento e o seu momento áureo histórico e O Encoberto (a terceira parte) preconiza a morte, à qual se seguiria o Renascimento.

Número cinco
O número cinco é o número da Ordem, do Equilíbrio e da Harmonia. Significa, igualmente, a Perfeição. Ele aparece em três conjuntos de poemas, cujos títulos são, respectivamente, "As Quinas", "Os Símbolos" e "Os Tempos". "As Quinas" simbolizam as cinco chagas de Cristo, ou seja, o seu sofrimento para a salvação da Humanidade - são, assim, engrandecidas, pelo seu conteúdo mítico, as figuras de D. Duarte, D. Fernando, D. Pedro, D. João e D. Sebastião. "Os Símbolos" incluem cinco poemas em que os valores simbólicos unificantes, nesta obra, assumem maior relevo. Finalmente, em "Os Tempos" anuncia-se já o "terminus" de um ciclo e incita-se ao início de outro, que instaurará a Ordem, a partir do Caos, que é o momento presente. Esse outro tempo será um tempo de harmonia, em que o Homem conhecerá a sua dimensão divina, num reino Espiritual.

Número sete
O número sete corresponde a um período temporal unificante, a semana, que tem sete dias. Ele representa, igualmente, a totalidade das energias, após a completude de um ciclo. "Os Castelos" são compostos por uma série de sete poemas, cujos títulos são os de personagens históricas (à excepção de Ulysses, figura lendária, fundador de Lisboa). Este número liga-se aqui à renovação de um ciclo que se inicia com os filhos de D. Filipa de Lencastre e termina com D. Sebastião. O sete é igualmente um número mágico, associado ao Poder e ao acto de Criação. O sétimo dia que, segundo a Bíblia, foi aquele em que Deus descansou, depois de ter criado o Mundo, aponta para a relação estreita entre Deus e o Homem, a sua obra - na Mensagem, essa indissociação entre os elementos divino e humano é explicitada pelos nomes que constituem o conjunto de poemas intitulado "As Quinas", que confere uma sequência simbólica ao grupo anterior.

Número doze
O número doze remete também para uma unidade - um ano tem doze meses. Este número é o da cidade santa, situada no Céu, a Jerusalém Celeste, que terá doze portas e na qual terão lugar os doze apóstolos. Os doze apóstolos significam a eleição de um novo povo e preconizam outra forma de estar no Universo: aquela que se baseia na fidelidade a Cristo. O número doze é, assim, o símbolo das mutações operadas no interior do ser humano e da perpétua evolução do Universo. O número doze marca, então, o final de um ciclo involutivo, ao qual se sucede a morte, que dá lugar ao renascimento. Na obra Mensagem, a segunda parte ("Mar Português") é composta por doze poemas. Como vimos, pela simbologia que compreende, ela encerra as referências míticas ao período áureo da História nacional (que fecha um ciclo) ao qual se seguiram quatro séculos de trevas. Essas trevas estão presentes na última parte ("O Encoberto") e é aí, também, que se faz apelo ao renascimento.

Exercícios de aplicação



Em Os Lusíadas, «toda a metáfora da divinização significa a subversão da ordem antiga que os portugueses vêm realizar ».

Partindo do juízo expresso na afirmação transcrita, num texto de oitenta a cento e vinte palavras, saliente a visão humanista de Luís de Camões.




Num texto expositivo-argumentativo de cem a duzentas palavras, refere a importância da mitologia n’Os Lusíadas.

Exercício de Exame - Os Lusíadas







78

Um ramo na mão tinha... Mas, ó cego!

Eu, que cometo insano e temerário,

Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,

Por caminho tão árduo, longo e vário!

Vosso favor invoco, que navego

Por alto mar, com vento tão contrário,

Que, se não me ajudais, hei grande medo

Que o meu fraco batel se alague cedo.



79

Olhai que há tanto tempo que, cantando

O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,

A fortuna mo traz peregrinando,

Novos trabalhos vendo, e novos danos:

Agora o mar, agora experimentando

Os perigos Mavórcios inumanos,

Qual Canace, que à morte se condena,

Numa mão sempre a espada, e noutra a pena.



80

Agora, com pobreza avorrecida,

Por hospícios alheios degradado;

Agora, da esperança já adquirida,

De novo, mais que nunca, derribado;

Agora às costas escapando a vida,

Que dum fio pendia tão delgado

Que não menos milagre foi salvar-se

Que para o Rei Judaico acrescentar-se.



81

E ainda, Ninfas minhas, não bastava

Que tamanhas misérias me cercassem,

Senão que aqueles, que eu cantando andava

Tal prémio de meus versos me tornassem:

A troco dos descansos que esperava,

Das capelas de louro que me honrassem,

Trabalhos nunca usados me inventaram,

Com que em tão duro estado me deitaram.



82

Vede, Ninfas, que engenhos de senhores

O vosso Tejo cria valorosos,

Que assim sabem prezar com tais favores

A quem os faz, cantando, gloriosos!

Que exemplos a futuros escritores,

Para espertar engenhos curiosos,

Para porem as coisas em memória,

Que merecerem ter eterna glória!

Luís de Camões, Os Lusíadas

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.


1. O texto pertence a uma das invocações de Os Lusíadas.


1.1.Releia a estância 78. Identifique os elementos do discurso que, nesta estância, constituem marcas de invocação.

2. Baseando-se no texto, refira cinco aspectos marcantes da caracterização que o sujeito poético faz da sua vida.

3. Explicite um dos valores expressivos da anáfora «Agora» (w. 13, 17, 19, 21).

4. Atente na estância 82.
Analise a crítica social e política expressa nesta oitava.

5.«Os Lusíadas suscitam reacções contraditórias. São, por um lado, uma obra laboriosa e árdua de ler - e, por outro, um deleite, para dizer como Tétis ao Gama.»
Fernando Gil e Hélder Macedo, Viagens do Olhar, Porto, Carnpo das Letras, 1998

Partindo do juízo expresso na afirmação acima transcrita, descreva, num texto de sessenta a cem palavras, a sua reacção de leitor relativamente a Os Lusíadas.

O significado da estrutura tripartida de «Mensagem»


Nos dois primeiros poemas de Brasão (que constituem a primeira parte), encontramos a referência simbólica à fundação da nacionalidade, quer ao nível do espaço, quer no que diz respeito à fundação de uma determinada identidade: são os poemas "O dos Castelos" e "O das Quinas".


Na segunda parte de Brasão, destacam-se:
- Ulisses, o fundador mítico de Lisboa
- Viriato, o fundador da Lusitânia
- o conde D. Henrique, que deu origem ao Condado Portucalense
- D. Tareja, que inicia a dinastia de Borgonha
- D. Afonso Henriques, o primeiro rei português, o fundador de um reino e aquele que deu origem a uma dinastia
- D. Dinis, o fundador de uma cultura
- D. João I, que originou a dinastia de Avis
- D. Filipa de Lencastre, igualmente fundadora da dinastia de Avis

No terceiro bloco, que integra Brasão, "As Quinas", encontramos:
- D. Duarte
- D. Fernando
- D. Pedro
- D. João
- D. Sebastião
Estas últimas personagens históricas apresentaram - um destino comum: a luta pela nação e a condição de mártires. 0 seu martírio associa-se ao sofrimento de Cristo, porque lutaram em seu nome, pelo que as cinco quinas apontam para as cinco chagas de Cristo.

No poema "Nuno Álvares Pereira", incluso no quarto bloco, "A Coroa", encontrarmos o poder aliado não a um rei, mas a uma figura histórica que, pela sua acção, se tornou o símbolo da nacionalidade.

Finalmente, em "O Timbre", conjunto de três poemas, que finaliza a primeira parte da obra, verificamos que o grypho representa o faseamento da acção dos Descobrimentos:
- A cabeça do grypho é o Infante D. Henrique, que sonha a vontade divina
- A asa do grypho é D. João II, que leva à prática o sonho de D. Henrique, através das disposições que, para tal, profere
- A outra asa do grypho, Afonso de Albuquerque, o paradigma da acção prática, aquele que realiza aquilo que D. Henrique sonhou e que D. João II permitiu.

Na segunda parte, encontramos um espaço e figuras relacionadas com os Descobrimentos portugueses e o seu carácter heróico. As referências simbólicas apontam para a conquista não só de um império, mas também de um outro Conhecimento e de uma progressão na escala ontológica. Nesta parte, intitulada "Mar Portuguez", é a grandeza do sonho convertido em acção que o poeta clama, unificando o acto humano e o Destino traçado por Deus.

A terceira parte da obra, "O Encoberto", significa, sobretudo, a constatação de um tempo e de um espaço perdidos, envoltos nas brumas da memória, e o sofrimento do "eu" poético por ver dormir o seu povo, perdidos a sua identidade e os seus referentes. É neste momento que o poeta explicita o significado do Quinto Império, recorrendo a uma linguagem que deixa antever esse tempo de prosperidade espiritual, numa estrutura, também ela, tripartida: "Os Symbolos", que correspondem à própria linguagem da existência, "Os Avisos", em que são referidas as profecias ("Bandarra", "António Vieira" e "O Terceiro", o próprio poeta, que profetiza o Quinto Império) e "Os Tempos", que se inicia com o poema "Noite" e termina com "Nevoeiro", depois do poema "Antemanhã", ou seja, à noite sucede amanhã (simbolizada na possibilidade de nascimento, encerrada no valor simbólico do nevoeiro) - ao Caos segue-se a Ordem; ao nada sucede a Obra.

Pessoa e Camões




Pessoa propõe-se cantar Portugal, tal como fez Camões no séc XVI, mas de maneira bem diferente.



Em «Mensagem», Pessoa assume-se como cantor do fim do império português, como Camões se havia imortalizado como cantor do seu início. Um e outro colocam-se numa posição temporal simétrica em relação ao império: Camões um pouco depois de o império se ter levantado, Pessoa um pouco antes de ele se desmoronar.


Também Camões, em «Os Lusíadas», canta o império real, faz o relato da história de Portugal, da expansão marítima e do alargamento da Fé; mas pára no momento da queda do Império.


Aspectos diferenciadores entre a «Mensagem» e «Os Lusíadas»:
«Os Lusíadas»
- dimensão real e concreta
- carácter narrativo e descritivo
- conceito tradicional de herói
- valorização do passado
- nacionalismo


«Mensagem»
- dimensão simbólica e emblemática
- carácter abstractivo e interpretativo
- o verdadeiro heroismo é o da criação poética
- exaltação do futuro
- nacionalismo universalista


«Os Lusíadas» canta o Portugal de um passado glorioso (os descobrimentos), uma missão cumprida; a «Mensagem» canta um Portugal que há-de voltar a ser glorioso (o do Quinto Império), numa missão a cumprir, por força do espírito patriótico e místico da alma portuguesa. è Reconstrução do mito: o mito sebastianista. É portanto para o oculto, para o desconhecido, porque ainda não vivido, que os portugueses têm de se virar. E, mais do que isso, têm de acreditar com fervor que um Novo Império será fundado e que terá a alma portuguesa como base.


Para Pessoa, após o império real (desfeito ) virá o império espiritual (para que se cumpra Portugal) è um Portugal «além do material».

A «Mensagem» poderá ser vista como uma epopeia, porque parte dum núcleo histórico,
- Epopeia porque celebra feitos heróicos e grandiosos, reais ou lendários, de um herói individual ou colectivo (um povo), ou seja, fala dos heróis da história:
-navegantes que percorrem os mares e se imortalizaram;
-antepassados que fundaram o Império;
- profetas da nova era.
mas a sua formulação, sendo simbólica e mítica, do relato histórico, não possuirá continuidade:


Estrutura tripartida da «Mensagem»: Brasão (a heráldica com a história dos que formaram o Império), Mar Português (a aventura marítima), Encoberto ( os sinais proféticos);


O fim do ciclo em Alcácer Quibir - o fracasso e a sua força renovadora.


A história da pátria apresenta-se mítica com o nascimento, a vida e a morte; mas o mito enquanto tal desprende-se do tempo histórico (omito apresenta-se como uma operação ideológica que transforma um conjunto de factos reais e possíveis num sistema coerente e totalizador de representações).


«Criar um novo Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Portuguesa,... » aponta para o estado de desagregação em que se encontrava a Nação portuguesa e que, de algum modo, fará despoletar a ânsia de renovação desejada por Fernando Pessoa e operacionalizada nos textos da «Mensagem». Fernando Pessoa acreditava que, através dos seus textos, poderia despertar as consciências e fazê-las acreditar e desejar a grandeza outrora vivenciada. Espera poder contribuir para o reerguer da Pátria, relembrando, nas 1ª e 2ª partes da «Mensagem», o passado histórico grandioso e anunciando a vinda do Encoberto (3ª parte), na figura mítica de D. Sebastião, que anunciaria o advento do Quinto Império. Preconizava para Portugal a construção de um novo império, espiritual, capaz de elevar os Portugueses ao lugar de destaque que outrora ocuparam a nível mundial. Esta projecção ficar-se-ia a dever a um «poeta ou poetas supremos» que, pela sua genialidade, colocariam Portugal, um país culturalmente evoluído, como líder de todos os outros. Na realidade, Fernando Pessoa antevê a possibilidade da supremacia de Portugal, não em termos materiais, como no tempo de Camões, mas em termos espirituais. É nesta nova concepção de Império que assenta o carácter simbólico e mítico que enforma a epopeia pessoana e que, inevitavelmente, destacará a figura deste superpoeta, em detrimento da de Camões.

A Estrutura Tripartida de Mensagem


1ª parte - Brasão - começa pela localização de Portugal na Europa e em relação ao Mundo, procurando atestar a sua grandiosidade e o valor simbólico do seu papel na civilização ocidental quando afirma «o rosto com que fita é Portugal»; depois define o mito como um nada capaz de gerar os impulsos necessários à construção da realidade; apresenta Portugal como um povo heróico e guerreiro, construtor do império marítimo; faz a valorização dos predestinados que construíram o país; e refere as mulheres portuguesas, mães dos fundadores, celebradas como «antigo seio vigilante» ou «humano ventre do Império».


Síntese: 1ª parte -> Brasão -> Construtores do Império -> corresponde ao nascimento, com referência aos mitos e figuras históricas até D. Sebastião, identificadas nos elementos dos brasões; dá-nos conta do Portugal erguido pelo esforço dos heróis e destinados a grandes feitos.

2ª parte - Mar Português - inicia-se com o poema «Infante», onde o poeta exprime a sua concepção messiânica da História, mostrando que o sopro criador do sonho resulta de uma lógica que implica Deus como causa primeira, o Homem como agente intermediário e a obra como feito. Nos outros poemas evoca a história dos Descobrimentos com as glórias e as tormentas, considerando que valeu a pena. O último poema da segunda parte é a «Prece», onde renova o sonho. No Mar Português procura simbolizar a essência do ideal de ser português vocacionado para o mar e para o sonho.

Síntese: 2ª parte -> Mar Português -> O sonho marítimo e a obra das Descobertas -> surge a realização e vida; refere personalidades e acontecimentos dos descobrimentos que exigiram uma luta contra o desconhecido e os elementos naturais. Mas porque «tudo vale a pena», a missão foi cumprida.

3ª parte - Encoberto - encontra-se tripartida em «Os Símbolos», «Os Avisos» e «Os Tempos». Com os primeiros começa por manifestar a esperança e o «sonho português» , pois o actual império encontra-se moribundo. Mostra a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição. Nos três avisos define os espaços de Portugal; com os cinco tempos traduz a ânsia e a saudade daquele «Salvador/Encoberto» que, na «Hora», deverá chegar para edificar o Quinto Império, cujo espírito será espiritual, moral e civilizacional na diáspora lusíada.

Síntese: 3ª parte -> Encoberto -> A imagem do Império moribundo, a fé de que a morte contenha em si o gérmen da ressurreição, capaz de provocar o nascimento do império espiritual, moral e civilizacional na diáspora lusíada. A esperança do Quinto Império -> aparece a desintegração, havendo, por isso, um presente de sofrimento e de mágoa, pois «falta cumprir-se Portugal». É preciso acontecer a regeneração que será anunciada por símbolos e avisos.