Caracterização das personagens
POVO
- “Pano de fundo permanente” da peça
- Personagem colectiva
- Espelha a miséria (por Vicente, página 21), ignorância e exploração de que são vítimas
- Triste, medroso, intimidado e de horizontes limitados, simbolizado
. pelo ruído dos tambores (pág. 77/78)
. pela polícia (pág. 81)
- Destaque por Manuel – “o mais consciente dos populares”; Rita; e Antigo Soldado
General Gomes Freire de Andrade
- Nunca está presente
- Figura singular, única, impar
- É acusado de ser conspirador, mas é vítima de uma conspiração, sendo condenado inocentemente
- A sua morte é o primeiro passo para a liberdade do povo português
- O seu retrato é delineado pelas outras personagens:
Antigo Soldado
- Faz de Gomes Freire personificação da liberdade (pág.18/19) e da justiça, mostrando sentimentos de respeito e admiração (pág.20) – figura impar, única que se destaca no contexto onde se move (pág.22)
Manuel
- Na boa de Manuel, pressente-se a esperança de que Gomes Freire vai libertá-los da opressão e do terror em que estão mergulhados, e edificar uma sociedade mais justa e mais livre (pág.21)
Vicente
- Esta personagem diz que é um “estrangeirado” (pág.23) e que pertence a outro grupo social, mais privilegiado (pág.21)
Governadores
- Para estes, o general apresenta um incomodo que convém eliminar (pág.95/96)
- Odiado por D. Miguel (pág.72)
- Principal Sousa receia os valores que Gomes Freire embutiu no povo
- Beresford teme perder o lugar e os privilégios (pág.63)
- Segundo D. Miguel reúne todos os “requisitos” (pág.71)
Matilde
(acto II)
- Homem lúcido e inteligente (pág.95)
- Corajoso, porque enfrenta os perigos (pág.91 e 96)
- Discreto, porque nunca se serviu do seu estatuto para influenciar o povo (pág. 87)
Sousa Falcão
- “Franco, aberto e leal”, oposto de D. Miguel Forjaz
- Corajoso (porque morre pelos seus ideias, sem se “vender”) (pág.137)
Frei Diogo de Melo
- Pela boca deste, o general é um santo (pág.126)
Proximidade com Cristo
- “Crucificar” (pág.70): para designar a morte
- Invocação das 30 moedas (pág. 110 – 120) (quantia pela qual Cristo foi entregue por Judas) – é o apego ao dinheiro que leva á denúncia de Gomes Freire
- Protesto de Matilde com alusão à condenação de Cristo (pág.122)
- Matilde refere a relação íntima do general com o criador (pág.130)
- Todas estas referências remetem para a inocência de Gomes Freire
Matilde de Melo
- É a “companheira de todas as horas” do general
- Personagem individualizada
- Figura central do acto II, onde se mostra apaixonada e corajosa á altura do marido (pág.91)
- Não desanima (pág.121)
- Confessa que também partilha os mesmos ideais do marido (pág.90)
- Resume a vida (no diálogo com Beresford) sublinhando as diferenças entre o “antes” e o “depois” de ter conhecido Gomes Freire (pág. 91/92) e orgulhando-se de tudo que aprendera com ele
- O tom desafiador que emprega ao se dirigir ao marcheal revela o seu desespero (pág.94)
- É a personificação de todos os sacrifícios que as mulheres fazem para manter a família unida (pág.94)
- Perante a indiferença de Beresford, acaba por suplicar uma morte digna para o marido (pág.97/98)
- É a voz da consciência junto dos governantes (pág. 88) obrigando-os a confrontarem-se com a sua presença e assumir os seus actos (pág.101)
- Acusa o povo (pág.101), embora compreenda as suas razões
- Com o principal Sousa, revela inteligência e poder de argumentação conseguindo confundir o prelado e fazer-lhe verdadeiros ensinamentos da doutrina cristã (pág.129) chega mesmo a rogar-lhe uma praga (pág.129) para o atormentar para sempre
- Quando percebe que não pode fazer nada, vira-se para Deus invocando o Juízo Final que encerra a condenação de todos que conspiram contra Gamos Freire (pág.135)
- Imagem viva da dor e da alucinação (quando surge a falar sozinha)
- Á medida que o tempo passa as circunstâncias lhe são adversas, mesmo depois de ter perdido o controle vai ganhando força “crescendo em palco”, acabando mesmo por aparecer de “verde” – esperança – ao contrario de Sousa Falcão, que está de luto (pág.136)
- Destaca-se dos que a rodeiam (como o marido)
- É caridosa (pág.101)
- É um ser excepcional que vive no mundo da hipocrisia, ganância e falta de solidariedade – por isso tenta convencer-se a agir de maneira diferente (pág.84)
- O desespero e o rancor levam-na a por em causa a conduta do marido pois sente que é vã (pág.84)
- Sente-se sozinha (pág.85)
- Encerra a peça:
- Despede-se do marido convicta da sua inocência (pág.139)
- Sente-se junto dele, apesar da distância física
- Recolhe a vontade de Gomes Freire (pág.137)
- Retoma o título (pág. 140)
Manuel
- Símbolo da inteligência e da capacidade de apreciação critica de um povo que, apesar de ser mantido na ignorância pelas classes dirigentes, consegue aperceber-se da situação da sua classe e do país (pág. 16)
- Sabe que é pouco importante, sendo bem vísivel a sua impotência perante a eventual resolução dos problemas em causa (pág.15 e 77)
- Espelha o desânimo, a falta de energia para lutar contra o regime (pág. 109)
- Está consciente das desigualdades sociais do seu tempo (pág.105/107)
- Tem uma enorme dignidade e respeito pela dor alheia
- É solidário, mesmo não tendo nada para oferecer a Matilde, ele põe a mão no e procura algo para lhe oferecer (pág. 105 – didascália)
- O instinto de sobrevivência parece sobrepor-se a todos os sentimentos
Rita
- Aparece no 1º acto, mas é no 2º acto que se individualiza e adquire mais relevo
- Presencia a prisão e a violência exercida sobre Gomes Freire (pág. 82)
- É solidária com Matilde na comunhão (pág. 82/83) e no gesto final (pág.110). Esta solidariedade nasce da comunhão de sentimentos – ambas sabem como o regime pode afectar a vida familiar (Matilde: apoia as opiniões do marido, mas contrariada (pág. 85) Rita: receava-se em tal situação (pág.82).
Antigo Soldado
- Tem um papel importante na acção, uma vez que combateu no regimento de Gomes Freire o que:
- Confirma o percurso militar do herói na peça
- Salienta o doce sabor da liberdade invocado na cantiga (pág. 18)
- Não tem nome
- Simboliza, talvez, todos os homens que combateram por senhores que nem os conhecem e por quem são apenas um numero, confirmando a critica de Vicente a 1 regime que não valoriza o povo que serve nos exércitos (pág.22)
- Personaliza o desalento, pessimismo e a decepção do povo que, uma vez mais, adiada a possibilidade de mudança (pág. 80)
António de Sousa Falcão
- Parece estar constantemente presente na vida do casal já que acompanhara a morte do filho (pág.115) e aconselhara-os a não voltar a Portugal e, por fim, não abandona Matilde
- É o “amigo das coisas importantes e das pequenas coisas” (pág.115)
- Mostra-se profundamente dilacerado com a tragédia que se adivinhara (pág.86)
- Nutre uma grande admiração pelo general mas, ao contrario de Matilde, esta constantemente dominado pela cobardia e pelo desânimo pois tem a consciência do modo como a sociedade funciona (pág.88) procurando convencer Matilde da inutilidade da luta (pág.88)
- A postura combativa de Matilde, empresta-lhe algum alento (pág.89) decidindo estar ao lado de Matilde, toma consciência do seu dever (pág.89)
- Revolta-se contra as palavras de D. Miguel exteriorizando a sua fúria numa tripla imprecação e arrisca-se mesmo a desafiar o nobre (pág.119)
- É uma das personagens com mais densidade psicológica
- Descobre que é cobarde porque não tem força para lutar pelas suas ideias (pág. 136 e 137)
- Calar-se é o preço que tem de pagar para se manter vivo e “livre” (pág.137)
- Só foi verdadeiro consigo próprio quando repensou a situação
Governadores do Reino
Governadores
- Personagens-tipo, representantes do poder
- Compõem o Conselho de Regência
- São o cérebro da conjura (porque “escolhem (alguém) que valha a pena crucificar” sem provas concretas da sua culpa (pág.70)
- Aproximam-se do carácter vil (ordinário) e mesquinho, cada um tem diferentes interesses e invocam razões diferentes para a morte de Gomes Freire
D. Miguel Pereira Forjaz
- Representa a Nobreza
- É o primeiro a proferir o nome do general (quando interroga Vicente - pág.34) e o primeiro a manifestar desagrado por Gomes Freire, não respeitando sequer laços familiares
- Incube Vicente de espiar a casa de Gomes Freire (pág.38) a troco de um “posto de polícia”
- É um absolutista convicto
- O seu desejo é manter o estado das coisas – uma sociedade perfeitamente estratificada (pág.69)
- Receia uma eventual revolução por povo por influencia d revolução francesa e seus ideais de revolta de Pernambuco, no Brasil (pág. 37 / 43)
- Defende acaloradamente a distinção entre classes entre classes, porque acredita que cada homem esta sujeito a um determinismo de ordem social e que as aparências definem os homens, existindo inevitavelmente uma barreira a separar as classes dominantes das dominadas (pág.69)
- Prepotente, afastado do povo, por isso teme a popularidade do general que pode vir a afasta-lo do seu cargo (pág.70)
- Cruel e exerce o poder de forma violenta e incorrecta (pág.60)
- Sabe manipular as pessoas e situações, não olhando a meios para atingir os seus objectivos – serve-se da religião para emocionar o povo (pág.73), e serve-se da corrupção para “comprar” a denúncia (pág.65)
- É insensível, porque recusa-se a receber Matilde, ofendendo-a na resposta que lhe envia (pág.119)
- Segundo Sousa falcão é “frio, desumano, calculista” e odeia Gomes Freire, “personificação da mediocridade consciente e rancorosa” (pág.117)
- Falso cristão (pág.113)
- Frio e cruel – no final evidencia-se mais com a fase final (pág.131)
- Serve-se da execução publica para servir de exemplo para os outros mas foi inútil porque 3 anos mais tarde a revolução liberal triunfara, tirando-o do poder.
Principal Sousa
- Representa o poder da igreja e sua intervenção nos negócios do estado – principio mais atacado pelos franceses (pág.42)
- É um prelado (bispo) hipócrita que parece hesitar quando pretendem condenar Gomes Freire sem provas, mas é só para mostrar que foi convencido por outros para poder ter a sua “consciência tranquila” (pág.64) mas depois encontra razoes pessoais que o parecem tranquilizar (pág.72)
- Serve-se de um discurso eclesiástico, recorrendo a citações bíblicas que deturpa (desfigura) em função dos seus interesses recorrendo a metáforas estereotipadas (pág.36) e ao tom falsamente paternalista e compreensivo (pág.38)
- Convém-lhe manter o status quo e crê-se investido numa missão salvífica (pág.40)
- Demagogo, porque tem consciência de que o poder dos reis é injusto mas teme que o povo saia da ignorância o que poderá implicar a sua própria condenação (pág.36/37)
- Detesta Beresford, mas é incapaz de manter uma discussão seria e frontal com ele, conseguindo ultrapassar as divergências pessoais e solicitar a colaboração deste (pág.59)
- Matilde desmascara-o – acusa-o da falsidade e infâmia (má fama), a ele e a toda a sua classe social (pág.123)
- Julga-se num plano superior (pág.121) mas depois Matilde depois é que fica superior, mandando-o calar (pág.124)
- No fim parece que as acusações de Matilde fizeram eco na consciência (pág.134)
- Fica desarmado perante a coragem e sabedoria de Matilde que depois “tira a moeda do bolso” e atira-a para o chão – condenação e acentua o valor pelo qual o Principal Sousa regeu a sua vida – bens materiais.
Beresford
- Encarregue de reorganizar o exército Português representa o domínio inglês e a que Portugal estava sujeito
- Despreza o nosso país e os portugueses, procurando todas as ocasiões para humilhar o povo português (pág.55)
- Tem um espírito crítico porque está distanciado emocionalmente de um povo que não é seu assim, considera que vive “num país de intrigas e traições” (pág.63)
- Despreza o clero que trata por “seita” (pág.63)
- Não se cansa de provocar o principal Sousa usando a ironia (pág.41 e 54)
- Sorri da corrupção e da denúncia que dominam a sociedade (pág.44) mas serve-se dessas armas para aniquilar Gomes Freire agindo do mesmo ódio daqueles que critica e revelando ser um homem prático (pág.68/69)
- Critica a situação socio-económica e cultural portuguesa (pág.57) compara-a com a prosperidade inglesa (pág.56) e com a tolerância religiosa que lá se vive (pág.57)
- Segundo D. Miguel é “mercenário” (aquele que trabalha por interesse) (pág.58)
- Afirma várias vezes que o seu único interesse é o dinheiro que recebe e que a sua “estada” é um sacrifico (pág.58)
- Odeia Gomes Freire porque é um dos poucos “capaz de o destronar” (pág.64)
- Cínico e sem sentimentos – quando Matilde o procura e lhe pede para imaginar no lugar do marido (pág.93) humilhando-a, para atingir o seu homem (pág.94)
- A sua última intervenção é marcada pela arrogância e a insensibilidade que o caracterizam (é cruel) (pág.99)
Delatores
Vicente
- Única personagem que evolui, transitando de um grupo social (o povo) para o grupos dos delatores
- Astuto, é pela polícia que denuncia Gomes Freire, que lhe permitirá ascender económica e socialmente
- Personifica mais um dos “vendidos” de uma sociedade corrupta
- É um homem frustrado por ter nascido pobre, revoltado pelas diferenças sócias (pág. 27)
- Marcado pelo estigma da diferença (pág.27)
- Traidor, recorre á traição para ultrapassar a sua condição pois sabe que só pactuando com os poderosos e agindo como eles terá um lugar no mundo que inveja (pág. 24 – dialogo com policias)
- Hipócrita, tenta inspirar confiança “das gentes” (pág.25)
- Não tem escrúpulos, porque diz que só se rege pelos valores do dinheiro e da força (pág.25)
- Calculista e frio, porque diz aos policias que se fosse promovido na policia não se ia lembrar mais deles e quando vê um popular (seu amigo de rua antigamente, já não se lembra dele) (pág.103)
- Consegue ser pior do que as forças de ordem, porque as forças de ordem actuam por obediência, respeitando uma hierarquia estabelecida, ele, ao contrário, colabora voluntariamente com o poder estabelecido visando apenas o lucro pessoal para satisfazer a sua ambição
- Ambicioso e esperto, quando os policias lhe dizem que vai falar com um dos governadores do reino, presente que chegou a sua oportunidade de subir na vida (pág.30/31) e quando fala a D. Miguel (pág.35) e no modo como empresta dignidade á missão de vigiar o general (pág.38)
Andrade Corvo
- Serve-se de um discurso argumentativo para aliciar o colega não evidenciando quaisquer escrúpulos e vende-se facilmente (pág.47)
- Tem mais destaque do que Morais Sarmento
- Preguiçoso, serve-se da denúncia para não voltar a trabalhar (pág.45)
- Segundo Beresford: “mau oficial, ignorante”, e até “pedreiro-livre” (pág.43)
- Ganancioso e oportunista, quando regenera o seu passado de “maçon” e admite ter andado “perdido” (pág.50)
- Cobarde pois aparece “embuçado” e um adulador pois aparece uma segunda vez em cena para dizer “cá ando sempre fiel a el-rei na missão que me incumbiram” (pág.64)
- A sua presença em palco acaba no final do primeiro acto quando finalmente refere o nome que os governadores esperavam (pág.71)
Morais Sarmento
- Preocupa-se com o que vão dizer aos governadores
- Limita-se a ser testemunha (pág.48)
…Os dois…
- Simbolizam o lado do negativo do exército português, que precisava do marcheal inglês para “entrar na ordem”, opondo ao general Gomes Freire
Os dois policiais
- Simbolizam o exercício da autoridade do governo
- São “iguais a todos os polícias”, isto é, como alguém que não se distingue no meio de uma força que deve agir segundo determinados princípios
- Aparecem em cena para dispersas ajuntamentos de populares evitando, deste modo, a propagação da revolta
- Conscientes do poder, ameaçam o povo (pág.81)
- Ingénuo, porque pensavam que Vicente depois de promovido se ia lembrar deles (pág.31)