Matilde
Ninguém me ouve? Estarão cegos e surdos para não compreenderem o que se passa à vossa volta?
1º Popular
(Dando uma notícia importante de que se esquecera)
Só agora me lembro duma notícia que os vai espantar.
(Ri-se)
E em que não vão acreditar!
(Ri-se)
O Vicente, lembram-se do Vicente? Foi feito chefe de polícia. Vi-o hoje, fardado, seguido por dois esbirros! É verdade! Juro-lhes que é verdade! Olhou para mim como se nunca me tivesse visto. Estendi-lhe a mão e deu-me uma cacetada na cabeça!
2º Popular
Era mesmo ele?
1º Popular
Era ele, digo-lhes eu. Nunca me esqueço duma cara.
(Matilde, profundamente desanimada, começa a afastar-se do grupo e aproxima-se da esquerda do palco.)
Manuel
Não é de espantar. Deus escreve torto por linhas direitas. Não é assim que se devia dizer?
(Matilde, chorando, vai a sair pela esquerda do palco quando Manuel a chama, sem voltar a cabeça e sem fazer um gesto.)
Senhora!
(Matilde estaca e volta-se para o grupo sem saber, ao certo, se a chamaram)
É consigo, senhora.
(Sempre sem voltar a cabeça e limando a faca enquanto fala)
Não se vá, assim, embora, sem levar resposta.
(Matilde volta a aproximar-se do grupo, que finge não dar por dar por ela. Os seus passos são curtos e tímidos. Não sabe porque a chamaram. Manuel prossegue, agora para Rita)
Arranja aí um caixote para ela, Rita.
(...)
Manuel
(Levanta-se e fala com ternura)
Todos aqui, sabemos quem a senhora é, e nenhum de nós é cego ou surdo...
(Observa-a com atenção)
Há quanto tempo não come, minha senhora?
(Matilde encolhe os ombros. Manuel mete a mão num saco, procura qualquer coisa que não encontra e olha para os outros. Um deles levanta-se e, com uma maçã na mão, aproxima-se de Matilde)
Coma essa maçã, Srª D. Matilde. Verá que lhe faz bem.
(Matilde recusa a maçã)
Perguntou-nos, há pouco, o que íamos fazer para libertar o general...
Insinuou mesmo que éramos responsáveis pela sua prisão, já que tínhamos fé nele...
Olhe para nós, Srª D. Matilde. Abra bem os olhos e veja quem somos e ao que estamos reduzidos.
(...)
A senhora, hoje, veio ter connosco porque não sabia para onde se havia de voltar...
(Pausa)
Mas nós passamos a vida inteira a ir ter convosco porque não temos a quem recorrer! E o que nos dão, senhores, que nos dão quando lhe batemos às portas no Inverno, com os filhos embrulhados em trapos, tão cheios duma fome que o pão, só por si, não satisfaz?
(Pausa)Cinco réis, senhora! Dão-nos cinco reis ou dizem-nos que tenhamos paciência!
Ninguém me ouve? Estarão cegos e surdos para não compreenderem o que se passa à vossa volta?
1º Popular
(Dando uma notícia importante de que se esquecera)
Só agora me lembro duma notícia que os vai espantar.
(Ri-se)
E em que não vão acreditar!
(Ri-se)
O Vicente, lembram-se do Vicente? Foi feito chefe de polícia. Vi-o hoje, fardado, seguido por dois esbirros! É verdade! Juro-lhes que é verdade! Olhou para mim como se nunca me tivesse visto. Estendi-lhe a mão e deu-me uma cacetada na cabeça!
2º Popular
Era mesmo ele?
1º Popular
Era ele, digo-lhes eu. Nunca me esqueço duma cara.
(Matilde, profundamente desanimada, começa a afastar-se do grupo e aproxima-se da esquerda do palco.)
Manuel
Não é de espantar. Deus escreve torto por linhas direitas. Não é assim que se devia dizer?
(Matilde, chorando, vai a sair pela esquerda do palco quando Manuel a chama, sem voltar a cabeça e sem fazer um gesto.)
Senhora!
(Matilde estaca e volta-se para o grupo sem saber, ao certo, se a chamaram)
É consigo, senhora.
(Sempre sem voltar a cabeça e limando a faca enquanto fala)
Não se vá, assim, embora, sem levar resposta.
(Matilde volta a aproximar-se do grupo, que finge não dar por dar por ela. Os seus passos são curtos e tímidos. Não sabe porque a chamaram. Manuel prossegue, agora para Rita)
Arranja aí um caixote para ela, Rita.
(...)
Manuel
(Levanta-se e fala com ternura)
Todos aqui, sabemos quem a senhora é, e nenhum de nós é cego ou surdo...
(Observa-a com atenção)
Há quanto tempo não come, minha senhora?
(Matilde encolhe os ombros. Manuel mete a mão num saco, procura qualquer coisa que não encontra e olha para os outros. Um deles levanta-se e, com uma maçã na mão, aproxima-se de Matilde)
Coma essa maçã, Srª D. Matilde. Verá que lhe faz bem.
(Matilde recusa a maçã)
Perguntou-nos, há pouco, o que íamos fazer para libertar o general...
Insinuou mesmo que éramos responsáveis pela sua prisão, já que tínhamos fé nele...
Olhe para nós, Srª D. Matilde. Abra bem os olhos e veja quem somos e ao que estamos reduzidos.
(...)
A senhora, hoje, veio ter connosco porque não sabia para onde se havia de voltar...
(Pausa)
Mas nós passamos a vida inteira a ir ter convosco porque não temos a quem recorrer! E o que nos dão, senhores, que nos dão quando lhe batemos às portas no Inverno, com os filhos embrulhados em trapos, tão cheios duma fome que o pão, só por si, não satisfaz?
(Pausa)Cinco réis, senhora! Dão-nos cinco reis ou dizem-nos que tenhamos paciência!
Felizmente Há Luar!, Luís de Sttau Monteiro
1. Proponha uma possível interpretação para as palavras de Manuel: “Não é de espantar. Deus escreve torto por linhas direitas. Não é assim que se devia dizer?”.
2. Demonstre como Vicente é uma personagem que evoluiu ao longo da obra.
3. Apresente, fundamentando-se no excerto, três traços caracterizadores de Manuel.
4. Comente a atitude de Matilde evidenciada neste momento textual.
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